O público da cultura popular e, por conseguinte, o eleitorado sempre mereceram as maiores reservas por parte das elites. Apesar de ser dominante nos mais diversos sectores intelectuais e académicos a ideia de um público acrítico e permeável ao texto, e logo infantil e incapaz de raciocinar, no campo político essa postura revelou-se um pouco menos densa. De um modo geral quando as escolhas feitas pelos eleitores não agradavam a um dos contendores eram, e são, atribuídas à falta de informação e à desinformação. Isto é, à propaganda. Vamos cair no mesmo com uma nuance. O público não é tão idiota assim que não conseguisse reconhecer uma verdade se lha espetassem na tromba. Viviam todos felizes, até que um dia uns senhores unsuspeitos de quaisquer simpatias esquerdistas perceberam que a opinião é formada por camadas. Isto é, primeiro um tipo lê o jornal e depois ao contrário do que gostariam de acreditar os liberais,
o tipo não fica fechado em casa a pensar no farmacêutico que vai assassinar a seguir, não O tipo provavelmente tem consciência das suas limitações e se calhar até tem alguns amigos e vai discutir com eles as coisas que leu no jornal e viu nas notícias. É o chamado two step flow. Geralmente o tipo escolhido para debater determinado tema é um tipo que terá à partida alguns conhecimentos sobre o assunto, embora também possa ser o tipo mais pausado lá da rua. Por exemplo. Se eu quiser debater ou esclarecer alguma dúvida que tenha em relação à astro-física ou futebol e tiver como amigos o Einstein e o Mourinho, eu, mas se calhar sou só eu, não vou debater futebol com o Einstein, a não ser que ele também goste de bola. Topam? Por outro lado quando mais específicos e especializados se tornam os temas maior é a necessidade destes mediadores. Por outro lado quanto maiores em número são as fontes de informação mais necessário se tornam estes mediadiros não só para indicarem as leituras mais apropriadas como até para ajudarem na sua descodificação, até porque o que a economia confirma a sociologia, por exemplo, pode desmentir. São as contradições entre os sistemas periciais. Isto acontece não só com os labregos suburbanos mas também com as pessoas muito inteligentes e eruditas que vivem em Lisboa e escrevem em blogues. Aliás é para isso que em grande medida servem os blogues. Isto tudo para dizer que também é para isso que servem os editoriais dos jornais e os comentadores e colunistas. Aliás, será por causa disso mesmo que é cada vez mais importante o espaço de opinião nos jornais e não apenas para as pessoas eruditas e sofisticadas que lêem o Público mas também para os broncos que lêem o CM e o 24 horas. É também por isso que com uma direita e liberal e conservadora e uma esquerda instalada a monopolizarem os jornais e a televisão o país cheira a mofo e a Calvin Klein. É por isso que ontem em editorial a
Helena Garrido pega na notícia da péssima qualidade do sector privado e dos gestores em Portugal em Editorial e no Público nada. Como aposto o que quiserem que apesar do fascínio que os rankings internacionais de tudo e mais alguma coisa exercem sobre os jornais e os jornalistas este vai ser olvidado deveras de fininho, assim como quem não quer a coisa. Até porque se a interpretação mais correcta da notícia fosse a do Público não tenho grandes dúvidas de que seria chamada à primeira página.