HotelLisboa

O porteiro do estabelecimento, Semion, acendera todas as lâmpadas das paredes e o lustre, assim como o candeeiro vermelho em cima da entrada. (Aleksandr Kuprin)




Porque hoje é sábado ou do fundo do coração



Da reprodução


É difícil deixar de pensar que o que se passa no sistema de ensino universitário privado português é a imagem de parte significativa da nossa "iniciativa privada". Não investem em meios humanos,nem em infra-estruturas, não têm projectos nem ideias, apenas a esperança, alicerçada na prática centenária do saque, de conseguir com facilidade e pouco trabalho o precúlio suficiente para o monte no Alentejo, o Jeep sobe passeios, as férias na neve e os colégios milionários que garantem à sua prole, muitas vezes dotada de talento duvidoso, o titulozinho que lhes permite um lugar, quem sabe, numa empresa pública generosa nos ordenados e nas indemnizações suscitadas pela habitual rotação partidária nos cargos. É a esta "iniciativa privada" que queremos entregar os deficientes, mas ainda assim actuantes, serviços públicos do país?


A ode ao extremo


Se a selecção nacional portuguesa não fosse uma espécie de Bolshoi do jogo de futebol andava desejoso que se espetasse à bruta contra equipas de ex-repúblicas soviéticas e de anónimas ilhas mediterrânicas. A única coisa que me interessa na selecção é o jogo que pratica. Princípio, aliás, que se aplica a todos os equipas de futebol com a excepção de uma. E ainda assim ... Basta um pouco de poder e logo se esquece a tragédia que foi a selecção até aos anos de 1990, com as notáveis excepções de 1966 e 1984. O jornalismo desportivo desceu ao nível do mais improvável tablóide britânico. Apesar de miserável, o nacionalismo inglês ainda se sustenta nalguma coisa que se veja; o nosso é patético e ridículo. As manchetes esqueceram o jogo e perdem diariamente magníficas oportunidades para saudar um conjunto excepcional de jogadores. Deviam, por exemplo, fazer a ode ao extremo, jogador em vias de extinção que as escolas do Sporting, género de reserva ecológica do romantismo no futebol, têm vindo a cultivar de forma soberba. No final do jogo com a Bélgica, perante as insistentes e idiotas perguntas do repórter de pista da RTP sobre uma hipotética animosidade belga, os jogadores portugueses, que apesar de não serem intelectuais conhecem com perfeição a lógica inerente ao que se passa dentro do campo, contrariaram com pequenas mas certeiras frases todas as maquinações criadas por uma imprensa cada vez mais sedenta, implacável e traidora do espectáculo que é o futebol.


Black metal



Dogville ou o carro à frente dos bois


Um dos problemas do futebol globalizado e mediatizado é a forma de lidar com jogos inúteis do ponto de vista comercial. Se tempos houve em que seja por interesse estético, político ou até mesmo económico, os jogos entre selecções eram não apenas desejáveis como necessários aos clubes e aos jogadores, com a multiplicação das transmissões televisivas, dos jogos europeus e a abertura do mercado de transferências de jogadores eles tornam-se redundantes. O recente empate da selecção inglesa em Israel voltou a levantar a polémica. Os jogadores foram acusados, e perdoem-me o francês, de se estarem bem a cagar para a selecção. Evitar lesões, dosear o esforço, etc. para se poderem concentrar prioritariamente nos objectivos dos seus clubes (quem lhes paga). A este debate que é não apenas inglês mas mundial (vejam-se os casos da selecção brasileira e argentina ou de forma mais aguda das selecções africanas, que não apresentam o mesmo poder de negociação das selecções mais poderosas face aos seus internacionais) e que se relaciona sobretudo com a permanência de alguns laivos da antiga mentalidade amadora num futebol comercializado responde um director de jornal português com tiradas identitárias. Apesar da constante retórica lusófona e colonial do jornal A Bola, podemos recordar, a título de exemplo, reportagens recentes sobre o futebol em Goa, o acompanhamento da visita do Benfica a Moçambique ou diversos artigos dos comentadores do jornal a propósito de uma forma portuguesa de estar no mundo e da lingua enquanto elemento definidor de uma portugalidade supostamente aberta (na qual o próprio jornal A Bola desempenharia um papel essencial), a verdade é que quando chega o momento de definir quem fica dentro e quem sai fora do barco da nacionalidade um certo espiríto exclusivista construído com base numa visão que privilegia a pertença sanguínea a uma Nação em detrimento de uma pertença jurídica a um Estado vem imediatamente ao de cima. Vítor Serpa, na segunda-feira, e partindo da recente operação a que Deco foi sujeito veio a terreno defender a ideia de que os "estrangeiros" não devem ser chamados a representar a selecção nacional. Devemos portanto, e sem que o jornal que dirige apresente quaisquer provas do facto, depreender que a operação a que Deco foi sujeito não seria imediatamente necessária e que o jogador foi operado por sua vontade, resultando daqui que prefere o clube à selecção. Em segundo lugar que se o jogador fosse "mesmo" português ele se recusaria a ser operado e viria a representar a selecção. Em terceiro lugar que qualquer português a sério preferiria representar a sua selecção nem que para isso tivesse que prejudicar a sua saúde para além dos seus próprios interesses mesquinhos, bem como os do seu clube. Os portugueses à séria andam nisto pela pátria. É isto o culturalismo, visível não somente na análise de Serpa ao "caso" Deco mas em todas as lógicas que preferem colocar, e na maior parte das vezes sem qualquer sustentação empiríca, as questões da identidade e da cultura à frente dos factores estruturais que guiam a acção humana.


Correcção


Eu não disse "eles andam aí". Citei um bófia que em tempos aparecia na nossa praceta e que era popularmente conhecido como o Caubói de Odivelas: " Eles andem aí". E acrecento agora, continuando na senda do rapaz das vacas: "São cinco e andem aos pares". Fica feita a correcção, que em nada contraria o sentido da anterior posta. É só uma questão de estilo.


Indicadores infalíveis


As reacções à vitória de Salazar são do mais boçal e preguiçoso possível, mas a esse tema voltaremos num momento futuro. Abrimos para já o apetite das massas com o comentário de José Manuel Fernandes. Já há muito tempo que esperávamos um comentário seu sobre o sistema educativo português e o seu fracasso, com a consequente necessidade de o privatizar. Surgiu hoje. Diz Fernandes que o facto de Vasco da Gama ter ficado em décimo é prova provada da inépcia do sistema educativo. Está chateado por o seu candidato não ter ganho e vinga-se no sistema educativo. É uma reacção um bocado desproporcionada, mas sempre é melhor do que ir para casa bater na mulher.


Domingo 01:30


O leitor sabe que o pudor aqui não ocupa lugar. Permita-me por isso partilhar mais uma SMS, chegada ontem à noite, à uma e meia da matina:

Tudo pela nação, nada contra a nação! Viva Portugal, viva Salazar!


Da superioridade da Civilização Ocidental


Esterilização forçada de ciganas na República Checa.

Escravatura de portugueses em Espanha.



O caso de uma juíza que não deu o divórcio a uma mulher alemã, repito alemã, de origem marroquina, pelo facto de, de acordo com a juíza, o corão autorizar a violência sobre mulheres (resta saber o que é que o corão tem que ver com este caso e porque é que a juíza achou interessante averiguar a religião dos litigantes, ou se nem sequer o fez e terá desenvolvido automaticamente a associação marroquino-muçulmano) tem-nos sido apresentado pela nossa direita, com o grelo perfeitamente aos saltos, como o resultado das políticas multiculturalistas. Sendo estas amplamente discutíveís, desde logo pelo facto de ser discutível a delimitação de entidades culturais herméticas e autocontidas, que a própria direita defende, esta decisão não parece derivar de todo de uma concepção multicultural de esquerda, que também pode ser espancável. Digo isto por dois motivos. Uma juíza multicultarista de esquerda jamais recusaria o divórcio a uma tipa que é espancada pelo marido. Em segundo lugar a sentença reúne todos os ingredientes do racismo mais primário. Traduzindo: "Aí querem viver de acordo com as vossas tradições? Então tomem lá, seus mouros de merda". Um jogo de tudo ou nada em que o mais fraco perde sempre.




A vida nas minas



A autonomia do campo


Ronny, o do pontapé canhão, e uma das maiores merdas de jogador que passou pelo Sporting no séc. XXI, foi um dos convidados para o jogo das estrelas. Ele e para aí metade do plantel do Boavista. Aparentemente jogou na equipa dos amigos de Ronaldo. Mais do que ajudar pobres em África estes enncontros servem para ajudar empresários à rasca de dinheiro a promover jogadores igualmente merdosos. Ronny, um zé-ninguém no futebol europeu, no jogo das estrelas. Faz sentido. O que vale é que o Jogo, o Jogo mesmo e não o jornal que dá pelo mesmo nome, não engana e também não perdoa. Ronny marcou um autogolo, provavelmente com o seu fortissímo pontapé e a trinta metros de distância. Ainda não é desta que vai ser transferido para um lado qualquer. Infelizmente para o Sporting, felizmente para o Futebol.



Uma breve nota para assinalar as comemorações dos 20 anos do Scum, álbum que vai merecer no dia 19 de Março uma edição especial, que inclui um documentário relativo ao processo de produção deste disco marcante não somente da história do metal, não apenas da história da música, mas da história da arte. Uma obra ao nível do urinol, do quadro branco, ou dos 4:30. E não pensem que isto é só iconoclastia suburbana hiperbólica armada em pedante. É um eufemismo. Disco marginal relativamente aos cânones tanto do punk como do metal nunca mereceu em nenhuma das áreas o reconhecimento devido. Tirando uns tantos freaks, entre os quais se incluiu John Peel, é um disco que ofendeu e continua a ofender gostos e normas. Uma obra que inaugurou um género, o grindcore, mas que abriu o caminho para a radicalização da linguagem do metal a partir dos finais da década de oitenta. Ninguém conseguiu, porém, ir mais longe. Reza a lenda que roubaram os instrumentos para poder começar a banda.







Quando tenho que fintar, com técnica apurada, o monte de dejectos caninos que povoam alegremente o passeio da minha rua lembro-me sempre daquele simpático anúncio do aspirador que engole o cão. De como o processo civilizacional demora a entrar. Da mesma extracção destes dejectos temos o acompanhamento televisivo do caso da menina de Penafiel raptada. Um nojo. Os pivots de noticiário, professores, escritores, jornalistas consagrados lá servem, aparentemente sem protesto, a pornografia sensacionalista. As redacções não protestam, ninguém protesta. A coisa atingiu o ridículo absoluto quando, depois de mostrarem a casa miserável da mãe biológica, nos informam que a rapariga vai ser seguida por uma equipa de psicólogos, necessária para atenuar o possível choque entre o ambiente da casa da raptora e o ambiente da casa dos pais. Isto é, vão ser precisos vários psicólogos para habituar a rapariga a viver na miséria.





O local é o Clube dos Caçadores da Pontinha, refúgio suburbano para a habitual dieta de café, moscatel e mini preta depois do jantar. Ontem, depois de ter terminado o Benfica as multidões, umas quatro pessoas, debandam do tasco. Sobram dois jovens, o puto de bar, dois velhos e um sobrevivente do jogo, um homem de meia idade ainda de cachecol no pescoço. A sala de jogos está fechada. Ambiente tranquilo. Minis, umas pretas outras brancas, na mesa. Na televisão o Bufallo 66 Vincent Gallo e Cristina Ricci. A audiência segue a obra com evidente prazer.



Duas reportagens, uma sobre os seguros de saúde e outra sobre o ensino superior privado, que podem encontrar na edição de ontem do Público mostram-nos a eficácia do mercado e como deve estar acima de todas as coisas. Para vossa informação as citações são de perigosos esquerdidas. Só ficou a faltar um editorial de José Manuel Fernandes a tecer as habituais loas ao sector privado. Pode ser que apareça hoje (ou então não).

Mas há também outra razão de peso [para além da falta de capacidade económica de uma parte da população] para que não se verifique em Portugal uma corrida desenfreada a estes seguros de saúde: o serviço público, salvo situações pontuais, como as listas de espera para alguns intervenções cirúrgicas e a marcação de algumas consultas, presta um bom serviço. Não oferece comodidade, mas oferece segurança, disse fonte de uma seguradora. Esta fonte, que pediu para não ser identificada, defendeu mesmo que o SNS é o melhor seguro de saúde, porque não deixa de atender ninguém por causa da idade, não exclui determinado tipo de doenças, não nega tratamentos a obesos, alcoólicos ou pessoas com doenças graves, não fixa montantes máximos de gastos, como fazem as seguradoras (ver textos nestas páginas).

Umas páginas mais à frente, o elogio ao ensino superior privado, que terá perdido 29 mil alunos em nove anos. Uma prova ao menos de que em certos casos a oferta e a procura são eficazes:

Mas outros problemas afectam o sector. Tráfico de poder, de influências, de dinheiro. Instituições e cursos que abrem sem autorização e a quem o Estado acaba por ceder (ou não). Docentes que dão aulas aqui, ali e acolá. Outros que têm salários em atraso. Discussões e cisões...Esse é um dos pontos fracos que Alberto Amaral, do Centro de Investigação de Políticas do Ensino Superior e ex-reitor da Universidade do Porto, aponta ao privado: "Nunca foram projectos sólidos do ponto de vista científico e académico. São instituições familiares com quadros de docentes muito limitados, recorrendo a professores visitantes. Algumas tiveram a esperteza de incluir personalidades de relevo, uma estratégia que deu resultado na altura da expansão", argumenta.



Será o fatalismo sexy?


Notas sobre a esperança e a emancipação


O Dia Mundial da Mulher mereceu a devida atenção por parte das entidades que governam o nosso futebol. Nalguns casos entradas de borla, o que é sempre agradável. Noutros, porém, a coisa foi um pouco mais burilada. O Sporting, na vanguarda do projecto de mercantilização e pasteurização do jogo em Portugal, permitia a entrada às mulheres a troco de cinco euros. É a táctica do dealer. A primeria dose é de borla. As outras depois logo vês quanto é que custam. Mas a iniciativa não se ficou por aqui. Às senhoras que adquirissem o ingresso era oferecido um cachecol do clube. Cor-de-rosa, entenda-se, para não haver cá confusões. Marta Aragão Pinto, uma das betas de serviço, filha de um gajo que faz parte da direcção, também contribuiu. Disse dois ou três dias antes que o futebol era um óptimo programa familiar. A emancipação feminina vendida em rosa pastel e embrulhada na família. Ou os usos comerciais da identidade.

Num outro plano, no intervalo do jogo com o Estrela, na sala de fumo da superior, aka banacada EDP, já se faziam contas ao título. 45 minutos de bom futebol e a esperança renascia poderosa mais uma vez. Eram milhares a desenvolverem racicíonios de uma racionalidade matemática: o Marítimo ganha ao Porto, nós vamos lá para a semana aviar os gajos e logo a seguir os gajos levam na boca na Luz. Obviamente que não irmos ganhar à Luz é hipótese que nem sequer passou pela cabeça de ninguém. 45 minutos de bom futebol e o título é nosso. Nada de errado com este raciocínio, a não ser toda a história do Sporting. O Porto hoje até perde na Madeira e nós andamos uma semana com o grelo aos saltos. É evidente que depois no sábado somos aviados sem dó nem piedade nas Antas. Mas uma semana de esperança já ninguém nos tira. Um jovem mais avisado, mas apenas um, notem bem, dizia no entanto que se ganhássemos a Taça e impedissemos o Benfica de ganhar o campeonato já não seria um ano para esquecer.

Actualização depois do jogo do Porto: Onde se lia uma semana de esperança, deve-se ler um dia de esperança. De qualquer forma, a ideia era que a esperança é um conceito polifónico, e isso permanece. A capacidade zandigueira do blogueiro é que sofreu mais um rombo.




Porque hoje é sábado ou temporadas no abismo



O novo futebol


A ideia de que a táctica vai matar o jogo é falsa. A táctica não significa mais do que uma forma de pensar as rotinas do jogo. O problema reside nas ortodoxias que estão a tomar conta das concepções tácticas. Ainda não gostei de ver o Chelsea jogar este ano. As boas movimentações ofensivas rareiam, os passes mal executados são imensos, os desempenhos individuais estão longe de ser delirantes. E, no entanto, o Chelsea já ganhou uma prova em Inglaterra, está nos quartos de final da Champions, nos quartos de final da taça de Inglaterra e a seis pontos do Manchester do campeonato, embora, deva dizer-se, que não é o Chelsea que tem menos pontos em relação à época passada, é o Manchester que tem muitos mais. Uma explicação avançada é o número de grandes estrelas a jogar no clube. Não colhe. É mais do que isso. É a táctica. Mourinho está a conseguir vencer, impondo uma ortodoxia táctica conservadora que nos obriga a repensar os parâmetros do jogo. Em relação aos primeiros anos do Chelsea, sobretudo ao primeiro, e aos dois anos do Porto, perdeu-se rapidez, certeza de passe, combinações ofensivas, desapareceram os extremos, os criativos e os jogadores fisicamente mais frágeis. Por outro lado, aumentaram os corredores de fundo, os aglomerados no meio-campo, os passes laterais e, sobretudo o músculo. O futebol, o último dos desportos colectivos relativamente democrático quanto às exigências físicas, começa a ficar colonizado pelo músculo. O Chelsea venceu o Porto matematicamente, não por ser mais virtuoso, mas porque, à priori, os princípios tácticos assim o determinariam.
Talvez este ambiente, em especial este novo paradigma físico, ajude a explicar a intensidade de alguns jogos e a enorme facilidade com que têm surgido ultimamente conflitos entre os jogadores.


Outras histórias


O fim-de-semana foi rico em manifestações em Santa Comba Dão, coisa que não seria muito habitual para aquelas bandas no tempo da velha senhora. O grandes portugueses, dentro da sua idiotice, teve o mérito de gerar algum debate sobre o passado e a ditadura, debate esse que encontra prolongamento no caso do museu, que o munícpio local quer, com intenções algo dúbias, criar ou no renovado interesse que o movimento Não Apaguem a Memória merece por estes dias. O Hotel Lisboa também não escapa à tendência e ajuda os que procuram as ditas duras de Santa Comba. Um grande bem haja para o leitor que aqui chegou à procura de "gays em Santa Comba Dão". Procura certamente mais prazerosa do que a do fantasma de Salazar.


As plantações


Rui Santos desempenha um papel único no espaço mediático desportivo português. Apesar do gel, dos fatos, dos nós das gravatas, das gravatas e dos caracóis que lhe dão um toque xunga, tão do nosso agrado, mas que o tornam odioso aos olhos de muitos dos espectadores do fenómeno desportivo, Rui Santos utiliza a tribuna semanal de que dispõe na SIC Notícias para abordar temas que mais ninguém parece estar disposto a discutir. Ao contrário do que sucede com os jornais desportivos que orgulhosamente de demitem da tarefa de pensar o jogo, para desempenharem a nobre função de agências de comunicação dos principais clubes e promoverem alguns interesses mais ou menos ocultos que circulam pelos corredores do poder desportivo, Santos tenta abordar algumas questões estruturais do futebol português. A sua homília semanal apenas se detêm no relvado por breves instantes, os necessários para prender o espectador. O resto do tempo é passado a comentar os negócios patrimoniais dos clubes e as transferências, mas apenas a título exemplificativo dos processos de gestão do futebol português. Fala sobre o Apito Dourado e as suas relações com o sistema de classificações dos árbitros. Da pobreza dos espectáculos que nos são oferecidos quase todos os dias da semana e o modo como se articulam com uma cultura de astúcia chico-esperta. Enfim, é dos poucos que procuram colocar o dedo na ferida, apesar de algum encanto provinciano qu mantém com uma certa cultura de fair-play inglesa. Ontem, porém, no fim da sua intervenção não foi capaz de reprimir algumas das pulsões esclavagistas que ainda permanecem grandemente enraízadas na cultura desportiva nacional. A visita de Deco a uma casa de putas em Londres após o encontrou com o Brasil motivou a exploração sensacionalista do facto pelos tablóides ingleses. Em Portugal, Rui Santos, indignado com a falta de intervenção das autoridades federativas perguntava quem mandaria em Deco naquela noite, depois do jogo jogado e do artista ter feito o seu trabalho. Barcelona ou a selecção, interroga-se o comentador, espantado com a permissividade dos donos do artista. A ideia de o jogador estar de folga e de poder fazer o que bem entende nos seus tempos livres é que não lhe passou pela cabeça.


O poder das imagens


Ao ouvir as palavras dos actores negros que receberam este ano os prémios da academia de cinema de Hollywood tudo sugere o funcionamento perfeito de formas subtis de controlo social. Entregar prémios a negros tornou-se num óptimo método de integrar uma minoria cuja capacidade de protesto sempre foi politicamente incómoda. Não significando isto que esses actores não mereçam os prémios, as suas palavras, perante o reconhecimento do país, são quase sempre um desastre político, que cauciona o cada vez mais mitológico sonho americano. Mais do que reflectirem condições colectivas, mais determinadas por posições de classe do que pela pertença étnica, estes discursos salientam esforços individuais, histórias heróicas de pessoas que, crescendo em condições difíceis, conseguiram receber um prémio tão importante. É justo dizer que o estado americano conseguiu meter no bolso o perigo representado pela colectivização do protesto dos negros. Fê-lo à conta da repressão, da introdução de droga nos bairros, mas sobretudo por estas formas subtis, pelo domínio da cultura popular, pela criação de vedetas, no cinema, na música, no desporto. Os exemplos do negro bem sucedido, com poucas excepções, ajudam a manter na base da pirâmide social a grande parte dos seus co-étnicos. A raça cobre a classe. No contexto americano, onde a política de classe sempre foi muito frágil, as imagens de mobilidade social continuam a ter uma eficácia tremenda, mesmo quando não passam de simples imagens.




Porque hoje é sábado ou Zona J




"Parem com o encerramento das urgências, não olhem só para o trabalho técnico e tenham em conta as aspirações das populações", apelou o líder do PCP, Jerónimo de Sousa, a quem Sócrates pediu para não se comportar "como no caso das maternidades". Público, 01-03-2007.

Ao contrário do que sucede com Bento, a blogosfera não quis saber do encerramento das urgências. Mais mobilizável, no espiríto dos novos ricos da civilização, para questões tão prementes para o futuro da pátria como a relação do uso da burka com os modelos de integração na Europa, não foram evidentes neste novo espaço público quaisquer recuperações sentimentais de visitas às urgências de hospitais de província. Esse parece ser um factor decisivo para explicar o alheamento de algumas das figuras do comentário público na questão das urgências. Mas para lá de um natural desfasamento de alguns sectores das elites nacionais relativamente ao modo de funcionamento dos serviços públicos, e à necessidade da sua manutenção, fora do espaço da retórica ideológica, a preguiça será outro factor que certamente tem o seu peso na hegemonia que os modelos de comunicação e enquadramento das questões do governo vão apresentando no espaço mediático. Como se pode aferir pelas declarações de Jerónimo de Sousa, e para os mais desatentos realço que já saímos do diletantismo blogosférico para o espaço da política institucional, é mais fácil para a esquerda recorrer a chavões de justiça social e às "aspirações das populações", que no caso em causa até são levemente reaccionárias e paroquiais, não deixando de ser justas por isso, do que procurar apresentar propostas alternativas e críticas fundamentadas aos estudos apresentados. Coisa que como já puderam observar nesta mesma casa, demora dez minutos a fazer. Basta um minímo, mas mesmo minímo, de cultura científica e uma televisão para ver uns telejornais e voilá. Mas em vez disso Jerónimo, exemplar de toda a nossa esquerda, prefere legitimar estudos manhosos e pedir caridade e bons sentimentos ao poder. Enquanto isso, e para não sermos acusados de sectarismos, Rosas lança-se frenético numa cruzada, armado com um abaixo assinado, contra a sociedade do espactáculo. A não perder as cenas dos próximos capítulos.



Quando a Amália morreu o grupo das carpideiras era constituído por gente já entradota. A sua emoção, respeitável, soava como uma coisa algo distante. Quando desaparecem os velhos jogadores de futebol, Jesus Correia, José Águas, o efeito foi relativamente semelhante. Mas quando morre alguém, relativamente novo, que a geração dos blogs e da net viu jogar nos momentos importantes da infância e adolescência a coisa é diferente, nomeadamente porque os meios de imortalização e comunicação dos sentimentos, sobretudo pelo texto, estão muito mais generalizados. O "efeito Bento", numa rápida e incompleta passagem pela blogosfera, é assinável. Os textos, mais do que assinalar o momento, são exercícios de memória sentimental que participam de um género de arqueologia do futebol como "cultura popular".



Depois de uma brilhante carreira, Manuel Bento morreu, sem antes deixar de fazer uma última grande defesa. Graças a ele, as justas manchetes do dia atiraram para rodapé o glorioso regresso de Paulo Portas, cuidadosamente encenado no CCB na hora do telejornal.



    António Vicente

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