É provável que o jornal Público, depois da reformulação, venha a sofrer do efeito Pedro Abrunhosa, embora em versão ainda pior. Abrunhosa desejou chegar a muita gente, subordinou a música a parâmetros de venda, insistindo nas baladas com lírica fanhosa servidas por um barroquismo visual modernaço que o tornou numa caricatura. A coisa funcionou bem no princípio, mas ao afastar-se dos grupos que consomem a música por intermédios de mediações distintas daquelas que governam o grande comércio a parada tornou-se perigosa. O consumo massificado é mais volúvel e um passo em falso pode ser a condenação. Foi isso que sucedeu. Quando perdeu o grande público, Abrunhosa olhou para trás e já não encontrou aqueles que no início simpatizavam com a sua popularização do jazz e do funk. Estava sozinho. O jornal Público estabilizou as vendas numa elite urbana, escolarizada, essencialmente à esquerda, mas não em demasia. Este grupo em Portugal não é grande e o seu crescimento lento. Ora o Público queria mais. A forma mais preguiçosa de se querer mais é popularizar mal. Diminuir textos, aumentar fotografias e usá-las de forma meio anárquica; subordinar os assuntos ditos de referência, essencialmente a política, a opinião e a investigação ao entretenimento, mesmo quando este aparece mascarado pelas artes. Para dirigir a remodelação, o Público escolheu Mark Potter, o homem que transitou o Guardian de broasheet para formato berliner. No caso do Guardian, correu bem, no do Público, palpita-me que vai correr mal. O mercado inglês não se compara ao português, especialmente porque há uma enorme classe média e classe média alta que compra jornais. O Guardian não quer roubar leitores ao Sun ou ao Daily Mail, quer roubá-los ao Telegraph, ao Times, ao Independent. Com um mercado de leitores como este, a luta pode ser criativa, deseja-se melhorar dentro de um quadro de referências. O Público, com esta remodelação, parece querer roubar clientes ao Correio da Manhã. É possível que roube alguns, mas quantos? Como a classe média que compra o Público tem net em casa e no trabalho e pode consultar um conjunto grande de jornais, parece-me que o diário de José Manuel Fernandes vai perder leitores, tanto para a net como provavelmente para os semanários, em especial o Expresso. Mas posso enganar-me, claro.