HotelLisboa

O porteiro do estabelecimento, Semion, acendera todas as lâmpadas das paredes e o lustre, assim como o candeeiro vermelho em cima da entrada. (Aleksandr Kuprin)




Fetichismo tecnológico


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A incapacidade de levar a cabo uma verdadeira modernização do país tem como correlato uma espécie de fetichismo tecnológico que por sua vez se alicerça numa confusão entre cultura e tecnologia ou, de forma mais concreta, entre cultura moderna e tecnologia. A introdução de quadros electrónicos nas escolas, acompanhados pela ideia de que os putos vão passar a gostar de geometria pelo simples facto de terem uns quadros todos XPTO, a réentre política de Paulo Portas no You Tube, convencido de que dando ares de tipo moderno e descontraído consegue para abafar o bafio das suas propostas políticas e a sua absoluta vacuidade no conteto político actual, e a utilização de intercomunidadores por parte das equipas de arbitragem nos campeonatos profissionais de futebol, na crença de que esse simples facto vai tornar Lucílio Baptista, Olegário Benquerença ou Paulo Paraty em árbitros decentes, são o reflexo do mesmo fenómeno em diferentes esferas de actividade. E mais exemplos poderíamos arranjar caso fosse necessário.
Embora cultura e tecnologia se influenciem mutuamente não são exactamente a mesma coisa. Cultura moderna refere-se a um conjunto de modos de percepção e interpretação do real que se tornaram mais ou menos dominantes depois do século XVIII. Formas de entendimento do real que esão associadas a um conjunto de processos como a construção do estado moderno, a burocratização, a laicização, o desenvolvimento das ciências, a urbanização, o individualismo associado à ruptura das formas de organização social tradicionais, etc. Uma das dimensões fundamentais neste processo de modernização foi sem dúvida a transformação das fontes de legitimidade da autoridade. As formas de autoridade tradicionais foram tendencial e paulatinamente dando lugar, numa série de contextos, a formas de autoridade racionais. A diferença básica entre estas duas formas de autoridade é que uma delas vai buscar a sua legitimidade a um mandato divino, pouco susceptível de escrutínio. A outra vai buscar à razão, isto é, à prova; não importa quem diz, mas sim o que se diz e com que fundamento.
O problema da educação, da política e do futebol em Portugal é essencialmente um problema relativo ao modo como as desigualdades sociais e as formas de poder se manifestam no quotidiano. O probema da matemática não está relacionado com os meios tecnológicos existentes para o seu ensino mas com a absoluta incapacidade da generalidade dos professores em conseguirem explicar o interesse e a utilidade daquelas fórmulas aos putos. Ou melhor ainda o seu significado. O mesmo se passa aliás com o ensino do português e em especial da literatura. Da mesma forma, e para clarificar o argumento, o facto de Lucílio Baptista ter um intercomunicador não implica automaticamente que melhores decisões sejam tomadas no relvado. Pelo contrário. Com o intercomunidor mais depressa ele e os seus fiscais podem trocar as ideias manhosas que têm sobre o papel do árbiro no jogo, que no caso português se manifesta na hipersensibilidade à falta e numa cultura de logro, por parte dos jogadores, e numa atitude performativamente autoritária por parte dos árbitros, que geralmente entram em campo pouco interessados na gestão do jogo e mais preocupados com a afirmação da sua autoridade, que julgam absoluta. Como aliás se pode abservar na quase total indisponibilidade para justificar as suas decisões ou na sua própria hipersensibilidade aos protestos dos jogadores. Como é que isto se resolve com um intercomunicador? Como é que o You Tube transforma uma direita trauliteira e bafienta numa direita liberal e moderna? Como é que um quadro electrónico explica a um puto o significado duma equação?



    António Vicente

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