Para quem cresceu na modorra do subúrbio lisboeta, é relativamente bruto navegar num sítio onde as marcações de cor, nacionalidade e religião são quase absolutas e correlativas de um estatuto Quase todos têm as marcas no corpo, na história recente e na história não tão recente quanto isso. A identidade – não há volta a dar-lhe - aparece tão fragmentada nestas linhas que falar de classe, por aparente invisibilidade, torna-se quase bizarro. Erro fatal. Ser branco é um estatuto e mesmo explicando haver vastas espécies de brancos, a verdade é que existe um “branco em abstracto” que tem dinheiro, poder e um certo carisma, genericamente, ou é visto com uma desconfiança distante, um certo ódio contido, mais ou menos alimentado politicamente. Há também um “português em abstracto”, quase sempre visto à medida do colonialista, para o bem e para o mal. Em tempos de Páscoa, em contexto mestiço nostálgico dos outros tempos em que o comércio corria bem, caiu-me o império em cima. Transformei-me na lembrança do português de outrora, evidentemente branco, superior, cristão e disciplinador. Trataram-me bem. Perante os elogios ao Dr. Salazar, esse grande estadista, respondi apenas com um silêncio relativamente desleal, mas decisivo para manter o quotidiano sobre rodas e para me continuarem a alimentar com frango à moda da Zambézia. Avançar com uma pseudo-sociologia da estrutura social portuguesa, para me situar num meridiano longínquo da Mocidade Portuguesa, pareceu-me algo entre o ridículo e o pedante. Vesti a farda. O estranho disto tudo é que em nenhuma outra parte do mundo, ouvi dizer do rectângulo coisas tão bestiais (adjectivo apropriadamente equívoco). As narrativas da exploração colonial não deixam de partilhar o espaço das memórias com esta visão de uma certa “modernidade portuguesa” que os portugueses nunca tiveram a oportunidade de conhecer.