Entrar numa livraria especializada em direito é uma experiência fascinante. É bom recordar, entretanto, que o adjectivo fascinante é ele próprio fascinante. Todos os livros de direito têm que ter, no mínimo, 500 páginas, mais ou menos metade do que deve ter uma boa obra sobre leitura em Portugal. Como o direito é uma coisa séria, todos os livros têm um aspecto aborrecido e monótono, uma estratégia, diriam alguns, para afastar o comum cidadão do universo esotérico das leis. Faz sentido, por que raio deve o cidadão ter contacto com as leis? Não há papá informado que não deseje que o seu rebento decore metodicamente alguns daqueles tijolos. Não porque sirva para alguma coisa, mas porque um bom curso de direito dá dinheiro, prestígio e é meio caminho andado para se chegar a um cargo de dirigente desportivo num conselho fiscal perto de si. A outra metade do caminho é um pouco mais tenebrosa e já não tem a ver com leis mas com a transgressão das mesmas e ainda com facas. Para os empregados de uma loja de livros de direito todos os clientes são sôtores. É muito bonito e democrático. Se uma pessoa se sente só e abandonada pelo mundo deve dirigir-se a uma destas livrarias porque imediatamente vem um cara simpática perguntar então sôtor o que deseja? É impressionante o volume de legislação produzido em Portugal: são resmas e resmas de papel, decretos, alíneas, artigos, construções perfeitas, obras de arte jurídicas, conteúdos maravilhosos prontos para serem esgrimidos em acaloradas discussões retóricas. É uma arte, um grande novela. Para sermos justos, todos do livros de direito deviam avisar o leitor, em nota na contracapa, que, em Portugal, qualquer semelhança entre o direito e a realidade é pura coincidência.