Não se pode falar numa despolitização do Público à custa da inexistência temática da "política", pela simples razão de que o Público, insisto, nunca teve uma secção "Política". Era nas páginas da secção "Nacional", que tratava exclusivamente matérias políticas, que o folhetim partidário e as relações internacionais do Estado português eram desenvolvidos. A mudança que agora observamos trata de fundir "Sociedade" com a anterior "Nacional". A importância da política na hierarquia noticiosa da nova secção é ainda um caso a analisar, embora não pareça existir um maior desprezo pela política, apesar de ser evidente que perdeu a sua autonomia noticosa. Se é certo que, tendo em conta a transformação global do jornal, podermos suspeitar de um processo de despolitização em curso a simples agregação das duas secções não nos autoriza a chegar a essa conclusão. Esta leitura não implica, porém, que deixe de ser necessário perceber porque suportam os jornais secções especializadas de economia, desporto, artes e media por exemplo, e até um jornal de referência como o Público se tenha inibido, desde sempre, a autonomizar, pelo menos nominalmente, a política. As recentes movimentações no campo mediático, com a demissão da direcção do DN, que João Marcelino vai agora dirigir, não deixam de indiciar uma popularização dos conteúdos e oferecem algumas respostas. A nova linha editorial que o DN se prepara para implementar pode ser considerada no mínimo uma opção peculiar. Com o JN a dominar completamente no Norte, na área da imprensa popular, o 24 Horas em crescendo e as mudanças que dias antes o Público implementou, o DN tinha uma oportunidade única para se afirmar no espaço da imprensa de referência. Ao invés, os proprietários optaram por tentar entrar num mercado que tem roubado leitores ao DN, em especial o CM. As pressões comerciais e a necessidade de aumentar os lucros e a própria gestão que os grandes aglomerados mediáticos fazem dos seus títulos são obviamente um dos factores mais importantes para a compreensão da rápida desagregação da imprensa de referência portuguesa, mas, sem querer entrar em análises maquiavélicas, num panorama altamente concentrado como o português, não serão os únicos. No caso do Público embora essas pressões existam devem ser relativizadas, tendo em conta que o jornal nunca foi económicamente viável e nem por isso deixou de se tentar afirmar no segmento de referência. Quanto á questão nomilalista, que me pareça secundária, face aos desenvolvimentos substantivos dos jornais, "Portugal" continua a parecer-me bem mais razoável que "Nacional". Por dois motivos. Por um lado assume, ou pelo menos é uma das leituras possíveis, um certo distanciamento face aos acontecimentos que cobre, que é coisa que a ideia de "Nacional" não permitia, dado que implicava uma lógica mais antropológica na relação com o objecto e implicava um envolvimento directo com esse mesmo objecto. A neutralidade epistemológica, ou a critíca aos métodos de investigação subjectivos é uma questão discutível. Mas o que me parece mais importante é que a ideia de "Nacional" era mantida à conta da exclusão de uma série de grupos sociais, os imigrantes residentes em Portugal, por exemplo, que não encaram este espaço como o seu espaço "Nacional", e que nem têm o dever de o fazer. Para entrar numa lógica mais hiperbólica ainda, do estudante Erasmus que esteve em Portugal durante um ano e que depois de voltar para o seu país, se continuou a manter informado sobre "Portugal", etc,etc,etc. Se é certo que essa bondosa ideia de nacional, enquanto sujeito de direitos e deveres, é uma das interpretações possíveis para o termo, estou pronto para doar um testículo à ciência se fosse uma das leituras dominantes por parte da audiência ou estivesse sequer na cabeça dos produtores, o que não significa que o Portugal que o novo Público quer vender não seja o Portugal do BES, da Sagres e do Cristiano Ronaldo.