HotelLisboa

O porteiro do estabelecimento, Semion, acendera todas as lâmpadas das paredes e o lustre, assim como o candeeiro vermelho em cima da entrada. (Aleksandr Kuprin)




Movimentos populares, paroquialismo e racionalidade técnica I


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Temos assistido ao longo dos últimos meses a um conjunto de movimentações populares que não devem ser ignoradas. Desde o encerramento das maternidades até ao caso dos STCP no Porto passando pelas recentes iniciativas nas localidades onde as urgências vão ser encerradas é visível o desconforto de um conjunto de grupos sociais com o desinvestimento nas funções sociais do Estado. Estas manifestações apresentam, no entanto, aspectos contraditórios. Ajudam, antes de mais, a combater um certo senso comum liberalizante de pendor economicista que se vai instalando na opinião publicada e a mostrar que existe um "país real", para utilizar uma metáfora que esteve muito em voga nos anos oitenta, onde de facto as políticas têm impacto efectivo no quotidiano. Em segundo lugar, e apesar da influência que os poderes políticos locais tiveram nalgumas destas manifestações, são um sinal evidente das possibilidades de actuação fora do espaço partidário e da vitalidade daquilo a que alguns gostam de chamar sociedade civil. Exemplos similiares podem ser encontrados por exemplo em Alfornelos onde foi criada uma associação para protestar contra o traçado da CRIL, que, diga-se de passagem, é um monumento à imbecilidade. O problema é que a maior parte destes movimentos revestem-se de um pendor paroquialista e conservador. Quando vemos em Valença cartazes a dizer qualquer coisa do género "fechar maternidades e urgências para abrir salas de aborto" temos naturalmente de ficar de pé atrás.Este povo, ou a multidão (para utilizar um termo da moda), que protesta é o mesmo que também é capaz de criar mílicias populares para perseguir ciganos e drogados. A justiça popular é fixe, ma non troppo. Mais ainda observamos aqui o factor "piscina olímpica". Na maior parte destes casos os protestos não são alicerçados numa lógica de defesa das funções sociais do Estado ou da qualidade dos serviços prestados, mas trata-se essencialmente de defender as "nossas urgências", o mesmo tipo de lógicas que leva ao investimento por parte dos poderes locais num conjunto de obras mais ou menos monumentais de racionalidade e alcance social duvidosos. Prevendo este tipode reacções, de forma sábia, no sentido chico esperto do termo, o Governo responde da mesma forma que responde aos protestos dos funcionários públicos: são protestos corporativos; visam defender privilégios particulares contra o bem estar geral. Para provar apresenta um estudo que ainda não vi ser contestado por ninguém. Diz o documento que com a restruturação da rede de urgências serão "apenas" 50 mil pessoas a ficar a mais de uma hora de um serviço de urgências contra as 450 mil que agora se observam.
Continua nos próximos capítulos, que isto de postar lençóis afasta a clientela.



    António Vicente

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