HotelLisboa

O porteiro do estabelecimento, Semion, acendera todas as lâmpadas das paredes e o lustre, assim como o candeeiro vermelho em cima da entrada. (Aleksandr Kuprin)




Memória e identidade ou os prazeres do masoquismo


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Em dia de clássico é essencial marcar o que nos distingue dos outros. As diferenças sociais que caracterizavam outrora os rivais aquando da sua fundação foram-se mitigando com os tempos. Diferenças religiosas, étnicas ou outras também não abundam. Como desprezar então o Outro? Pela parte que me toca, penso que existe uma dimensão que marca claramente as diferenças entre nós: os fracassados à nascença e os aristocratas falidos; e atentem que com o termo aristocratas falidos me refiro ao Benfica, sendo que os fracassados evidentemente somos nós (uma crença, uma fé,somos nós Sporting Allez).Essa dimensão é a glória, o anseio pela vitória, ou melhor ainda a sua necessidade absoluta.
O Benfica só faz sentido na vitória. Fora dela mirra, como uma folha no Outono, embora sem a mesma graça.Quem não se lembra de um Benfica-Marítimo numa noite chuvosa de Dezembro em pleno consulado de Manuel José, ou seria Artur Jorge, ou seria... bem, não interessa, que contou com a presença de 1913 espectadores, cujos bilhetes não deram para pagar os custos de organização da partida? Se por um momento olharmos para os cânticos que saem das bancadas poderemos facilmente constatar a evidência. Os lampiões cantam pelo Glorioso, SLB. E não me lembro de muitas mais. A vitória não estimula a criatividade poética do mesma mesma forma que a derrota o faz. Em Alvalade canta-se por tudo menos pela vitória (aliás o nome do milhafre da Luz), que sabemos nunca poder ser nossa. Passar o ano todo com o Sporting, amá-lo até à morte, deixar o trabalho e a namorada para ir ver a bola, sobre como é o nosso sonho, a nossa ulusão, a nossa fé, enfim um amor louco e indescrítivel, de fazer inveja a qualquer poeta francês do séc. XIX.
Dito isto chegamos às memórias. Porque cantamos nós sobre o amor e vocês sobre a glória?
No outro dia, em confraternização leonina, comparávamos pilas afectivas. Isto é, o primeiro jogo, o melhor jogo, etc... Até que alguém diz que toda a sua memória do Sporting está sedimentada em fracassos. Dos 3-6, à eliminição com o Real Madrid. De derrotas com clubes com nomes esquisitos até catástrofes de última hora, demasiado numerosas e dolorosas, essencialmente numerosas, para as estar aqui a relatar em detalhe. É certo que tivemos os sete a um, mas até na vitória foram rainhas a tristeza e a melancolia. Portanto, o «gloryhunters» com que depreciativamente são brindados os adeptos do Chelsea em Inglaterra tem tradução para português. A manhã límpida e inicial é só para os que vivem sob a ditadura dos resultados.



    António Vicente

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