HotelLisboa

O porteiro do estabelecimento, Semion, acendera todas as lâmpadas das paredes e o lustre, assim como o candeeiro vermelho em cima da entrada. (Aleksandr Kuprin)




A vez de Allen


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De novo os Estados Unidos contra a Inglaterra. De novo o cinema. O caso agora é o de Woody Allen, mas poderíamos pensar noutros exemplos, como no cinema de Ford, uma espécie de utopia sobre o projecto americano feita contra as convenções inglesas nomeadamente o seu rígido sistema de classes. Ford tinha origem irlandesa, era solidário com a emigração miserável que procurou os Estados Unidos, e tudo o que a Inglaterra representava o irritava. Nos filmes isso quase nunca é dito directamente, mas está por todo o lado. Mas voltemos a Allen e ao seu novo Scoop. Woody Allen deixou Nova Iorque e filmou duas vezes em Londres. Filmar em Londres não implicou apenas uma opção estética, uma luz mais sombria numa cidade sombria, nem o lançamento definitivo da nova mega estrela Scarlett, nem duas histórias sobre crimes, nem a recorrência dos temas fetiche do realizador, especialmente o da morte. Estes dois filmes em Londres falam da história da relação entre os Estados Unidos e a Inglaterra. Scarlett, a jovem americana desempoeirada, com pouco verniz mas cheia de vida, mergulha nas classes altas britânicas, aquelas com propriedade há mais de 400 anos, altura em que nos Estados Unidos quase só havia índios, aquelas cujo sotaque distingue à distância e o estilo de vida marca definitivamente. Já não é a primeira vez que Allen jogou com a questão do gosto, com o gosto de classe e os seus desencontros. Mas estando a filmar a Inglaterra, o significado é mais sensível. O cinema inglês, dominado ou por comédias românticas situadas num ambiente de classe média, cujo maior símbolo é o relativamente inefável Hugh Grant, ou por uma já longa tradição neo-realista que olha nas últimas décadas a vida da working-class desfeita pela senhora Thatcher, raramente trata as suas classes altas. Allen, americano, parecendo pouco importar-se com o resto da vida inglesa, que ainda assim é bastante complexo, ataca directamente as famílias de Kensington, grandes proprietários rurais, gente absurdamente rica e podre de tanta tradição. Allen não os retrata como maus capitalistas, pessoas pérfidas e vingativas; apenas os mostra como seres ridículos, falsamente cultos e, crime absoluto para um americano, gente sem mérito algum; sem graça, gente que, estando viva, está morta, como os gentlemen do clube filmado por Wells. Claro que o centro do poder em Inglaterra, já não se confunde totalmente com estas classes. Algumas das velhas famílias converteram-se com mestria ao novo capitalismo, processo de transição sereno no qual a Inglaterra sempre deu cartas. Nada de jacobinismos burgueses. A força do dinheiro destas velhas famílias, é, no entanto, a mesma das inúmeras novas fortunas inglesas e claro, é e a mesma que governa a América de Allen. O contra-projecto americano, que ainda assim se sente neste filme, apenas sobrevive à superfície, a nível do gosto, da interacção. Tudo o resto, se alguma vez existiu, falhou. O filme,claro, vale a pena.



    António Vicente

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