HotelLisboa

O porteiro do estabelecimento, Semion, acendera todas as lâmpadas das paredes e o lustre, assim como o candeeiro vermelho em cima da entrada. (Aleksandr Kuprin)




A Democracia na América




We Wuz Robbed, Spike Lee




amor em tempos de guerra



3 horas de grande jornalismo


Em O Jogo, descreve-se assim a cronologia da chegada dos jogadores do Benfica ao novo centro de estágio no Seixal. O método é o mesmo utilizado para fazer a descrição dos próprios encontros de futebol. Um standard dos tempos modernos.

CRONOLOGIA I

14h30 Os primeiros curiosos juntam-se junto às grades que vedam o acesso ao Centro de Estágio.
14h35 Fernando Santos chega ao novo quartel-general benfiquista, juntando-se aos outros elementos do "staff" técnico já no interior do complexo.
14h55 Segue-se o preparador-físico, Bruno Moura…
14h56 … e Mário Dias, o homem responsável pela execução da obra.
15h23 Marco Ferreira é o primeiro jogador a passar os portões do Centro de Estágio.
15h39 Segue-se Manuel Fernandes, acompanhado de Tiago Gomes…
15h42 Moretto entra no complexo.
15h45 Alcides, Léo… Por esta altura, já são centenas os adeptos no local.
16h00 Os jovens Bruno Costa, Canales e Bijou também não passam despercebidos à chegada ao portão.
16h01 O médico João Paulo Almeida chega ao local, logo seguido pelo colega António Barata.
16h08 O primeiro momento de histeria colectiva da tarde, com as chegadas de Moreira, João Coimbra e... Mantorras.
16h11 Manu é reconhecido pela multidão…
16h12 … mas também Nélson e, logo de seguida, José Fonte.
16h16 É a vez de Manduca e Marcel, num carro, Nuno Assis e Ricardo Rocha, noutro.
16h21 Beto transporta, na sua viatura, Anderson e Diego.
16h36 Os gregos Karagounis e Katsouranis chegam juntos, guiados pelo segurança do plantel.
16h37 Karyaka chega sozinho e faz sorrir muitas meninas no local.
16h46 Loucura total entre a multidão, com a chegada de Rui Costa, que agradece o apoio.
17h05 Paulo Jorge é o último a apresentar-se no novo local de treinos, já cinco minutos depois da hora prevista.
17h30 Arranca, no campo principal, o primeiro treino do plantel encarnado no Seixal.


Resultadismo


Com o caos instalado pelo calciocaos a informação ligada ao processo passou completamente para um segundo plano. Na imprensa não foi possível ler um único artigo que explicasse a fundamentação da sentença, o que não é de todo normal ou aceitável. Apenas tivemos direito a umas generalidades relativas a umas conversas telefónicas de Moggi e tutti quanti com árbitros e dirigentes federativos, seguidas da apresentação das penas. Agora que a sentença saiu se calhar tinha sido boa altura para nos informarem sobre as acusações em concreto e logo de seguida sobre que factos é que levaram à punição dos envolvidos. Mais estranho ainda é o silêncio da imprensa portuguesa relativamente ao "Pito Dourado", um epíteto bem mais simpático do que CalcioCaos e bem mais desculpabilizante, e a ausência total de comparações entre os dois casos, que nos poderiam ser bastante úteis para uma melhor compreensão de uma série de áreas da nossa vida, que em muito ultrapassam o futebol.



A cabeçada à Cais do Sodré é conhecida nas ilhas Britânicas como "Glasgow Kiss". São uns românticos...


Afiliações


Nos últimos cinco anos já fomos todos americanos, espanhóis e ingleses. Ontem rebentaram sete bombas em Bombaim. Ainda estou à espera dos títulos tonitruantes e indignados nos jornais dessa Europa. Aparentemente sermos todos monhés é um cenário que não manda muita pausa.


Já alguém lhes explicou que os estrangeiros são eles?




A Federação Portuguesa de Futebol quer isentar do pagamento de imposto os prémios dos jogadores portugueses que estiveram no mundial. Se o nosso país não fossem um lugar mal frequentado, como dizia um dos brilhantes Josés portugueses, os rapazes recebiam apenas uma diária para comprar umas salsichas alemãs e para visitar um ou dois museus. Se achassem pouco podiam naturalizar-se angolanos, talvez recebessem um poço de petróleo e uma vacina contra a cólera.
Entretanto Ernani Lopes, um dos muitos economistas que passam a vida da mandar bitaites com um ar entendido, anda muito preocupado com o bem estar dos portugueses. Como está convencido da inevitabilidade da crise da segurança social considera que se deve deixar parte da assistência, vulgo caridade, às misericórdias. Claro que as misericórdias, por este trabalho cristão, não iriam pedir ajuda à Opus Dei mas, evidentemente, ao Estado. Vão chular a vossa prima. Os únicos católicos que percebem alguma coisa de economia estão-se nas tintas para a caridade e vestem Armani e transportam-se de BMW. Todos os outros, bem longe da ética protestante, são uns parasitas de uma incompetência bíblica, embora, cá para baixo na hierarquia, existam alguns indivíduos bem intencionados que compram na Zara e andam na Rodoviária ou na Vimeca.


O pagamento


Passados dez minutos sobre a expulsão de Zidane, um indivíduo perto de mim recebe um sms informando que circulava na net que Materazzi, Maseratti para os comentadores locais, tinha chamado filho-da-puta ao francês. Havia que encontrar uma razão. Aquela é, claro, relativamente insuficiente. Imaginemos o Jorge Costa. Se cada adversário que foi insultado da mesma forma pelo grande central português reagisse como Zidane, Jorge Costa estaria hoje reduzido a um singelo monte de areia. Temos que pensar melhor. Por exemplo: Zidane foi frontal e isso é louvável. Não andou ali com dramaturgias, com mergulhos à portuguesa, não fez queixinhas ao árbitro e esteve-se nas tintas para a grandeza da ocasião, para o politicamente correcto da FIFA, para a França, para a equipa, esteve-se nas tintas para tudo. Isso é romântico. Mas apesar de tudo o que se possa dizer a cabeçada foi bruta. Há cabeçadas estéticas, há outras habilidosas mas aquela é bruta todos os dias. Como dizia ontem o antigo jogador moçambicano Calton, que passou breve e incognitamente pelo Sporting, Zidane tem responsabilidades cósmicas e, utilizando a mesma expressão que serviu para imortalizar Garrincha, o francês é a alegria do povo, o que implica uma espécie de contrato com a humanidade. Isto é, Zidane está em dívida e a forma de pagar era jogar mais uma época para o pessoal se divertir um bocado mais.
De resto, esta Itália não desmereceu.




Luis Freitas Lobo utiliza o termo extra-terrestre para designar um tipo muito especial de jogador. Este tipo inclui nomes como Henry ou Ronaldinho. Pois bem, é com o mais genuíno e excelso dos prazeres que constatamos que "Super Mário" Jardel está de regresso aos relvados portugueses. Depois de muito circular em viciosos locais na busca do prazer , numa desenfreada demanda de dissipação, por meio do amor pago, do jogo e de múltiplas substâncias embriagantes, enquanto forma de compensação do reconhecimento e da glória que lhe foram cruelmente (so)negados pelos grandes clubes europeus (bastava terem-no contratado para o salvar) ei-lo de volta para representar o Beira- Mar, após ter sido chumbado pelo Olivais e Moscavide, não sem antes ter lá estado uns tempos à experiência.
Para além de Barbosa e Peseiro uma das poucas figuras trágicas do nosso tempo merecedoras não apenas do nosso elogio, mas de toda a nossa estima e adoração é Jardel. Ousaria dizer, não apenas o maior como o mais genial ponta de lança de sempre. O homem que metia golos com a nádega direita e depois voltava a metê-los com a esquerda, para esta não ficar com ciúmes da outra. O homem com um pacto não apenas com o Diabo mas também com a Bola, a Baliza, o Relvado, as Chuteiras, os Equipamentos...
Luis Freitas Lobo diria que é o regresso do extra-terrestre. Gabriel Alves uma vez postulou: - 1,93m de tempo de salto.


o melhor jogo



O jogo para o terceiro e quarto lugares foi um dos melhores do mundial. Ao contrário daqueles que dizem ser jogo dos vencidos, ficou provado que o contexto "é-me indiferente ficar em terceiro ou em quarto" é propício à desinibição agradável dos jogadores, o que leva a pensar que todos os jogos do mundial deviam ser para discutir o terceiro e quarto lugares. Depois fazia-se um karaoke com canções napolitanas e os melhores eram campeões do mundo (o Gattuso ficava de fora ou em alternativa cantava o novo êxito do José Malhoa - em relação ao qual, diga-se, a Igreja anda a dormir. Quando são filmes japoneses de vanguarda balançam os santos do altar, quando é um músico popular com uma filha chungosa nem reparam. Intelectuais.)


Ritmos


Os jogos de futebol têm os seus ritmos. O ritmo da estratégia dos treinadores, o ritmo resultante da relação entre as duas equipas durante o encontro. Embora o jogo esteja cada vez mais pensado, é por vezes difícil perceber o que se vai passar, a que velocidade as coisas vão acontecer. Alguns jogadores pouco comuns conseguem subverter o ritmo dos jogos. Por vezes conseguem mesmo ser eles a pautar o ritmo. Acontece isso, por exemplo, com Riquelme. O corpo de Riquelme quase nunca anda ao mesmo ritmo do jogo. Só pelo facto de o argenino ser um fora-de-série é que o modelo de jogo imposto pelo treinador o suporta. Porque à luz de certas convenções sobre o futebol moderno Riquelme é insuportável. A bola chega aos seu pés e ele está nitidamente noutro comprimento de onda, e só o está porque domina totalmente o seu corpo em relação ao espaço do campo. Algo de semelhante acontece com Zidane e com o Ronaldinho do Barcelona, mas muito menos com o Ronaldinho de Parreira. Cristiano Ronaldo, deixado livre pela táctica de Scolari, e mesmo pela de Ferguson, embora menos, também impõe o seu ritmo ao jogo, a sua individualidade. É mais discutível, porém, que o ritmo de Ronaldo esteja ao serviço de um ritmo colectivo. É certo que Ronaldo não é um maestro, mas mesmo na posição de extremo basta pensar na tremenda eficácia do génio de Figo, para perceber que Ronaldo ainda está longe, apesar do talento, de ser um enorme jogador. É neste sentido que interessa mais uma vez elogiar Zidane, porque o seu génio individual expressa-se por excelência no movimento colectivo.




Com tanto parque eólico não haverá o perigo do país voar?


Do nacionalismo III,... já só me lembro de comida








Logo pela fresquinha a televisão pública portuguesa dava conta da derrota da equipa nacional contra a França. Imagens do jogo nada, apenas do golo de Zidane. Em contrapartida, houve muito paleio sobre o roubo descarado que forças demoníacas engendraram para atirarem os compatriotas de Vasco da Gama e Afonso Henriques para o jogo do terceiro e quarto lugar. Portugal até fez um jogo aceitável, embora já se saiba que contra equipas fechadas atrás mais vale desistir, foi assim contra os 10 da Inglaterra, foi assim contra os 11 da França. Não quero ser demasiado positivista, mas Portugal fez algum jogo realmente bom? Na primeira fase foi o suficiente, embora de forma sólida. Contra a Holanda foi engraçado, talvez o único jogo para recordar. Com os ingleses foi uma seca, com um final divertido. Ontem, começámos bem, mas depois a coisa foi-se esvaziando. Cristiano Ronaldo, tirando ontem, jogou realmente bem? Quantos golos, quantas assistências para golo? Deco foi mágico? Quanto à arbitragem ... Houve mesmo uma falta sobre Ronaldo, ou, confirmando-se as provocadoras suspeitas francesas, os avançados portugueses passaram o jogo a atirar-se para o chão. Itália e França, por tudo o que fizeram ao longo do campeonato, são justos finalistas. Se o jogo para o terceiro e quarto lugar for à mesma hora que a estreia do Benfica contra a poderosa equipa do Nyon espero que as televisões não estejam a dormir e optem em conformidade.


acabem com os mundiais


É engraçado como num contexto de ecumenismo racial futebolístico, pelo menos teórico, a agressão nacionalista é tida como saudável demonstração de patriotismo, dando azo a todos os tipos de categorização idiota sobre o outro nacional. No fundo deviam acabar com os campeonatos do mundo. Felizmente que a melhor equipa do universo, apesar de lhe estarem a raptar os jogadores, já começou a época. A Itália ganhou bem. Bastante menos chata do que o habitual, teve a coragem que faltou aos argentinos. E é sempre bom que a nação anfitriã não vença, porque dá mau aspecto. A não ser que o campeonato do mundo se realize em Malta, ou na República Centro Africana.



Em 6 de Junho de 1963, o cônsul português em Salisbury, hoje Harare, Zimbabwe, escreveu ao governador geral de Moçambique informando-o que o jornal local "The Citizen" publicou a notícia de que em Inhambane, província de Moçambique, vivia um homem chamado Costa, dono de uma pensão, que era filho de Adolf Hitler. Se eu fosse o Dan Brown.





So come fill up your glasses
of brandy and wine
Whatever it costs I will pay
So be easy and free
when you're drinking with me
I'm a man you don't meet every day

in, Pogues, Rum , Sodomy and the Lash, I´m a man you don't meet everyday
(sublinhado nosso, e deles também)




A mercantilização que desde há algum tempo vem afectando o jogo, os jogadores, os dirigentes e os adeptos passou a atingir estes últimos de uma nova forma: o conflito de interesses ou a contradição insanável entre o princípio da realidade e o princípio do prazer. O responsável são as casas de apostas que desde o ano passado chegaram a Portugal. Permitam-me uma história.
Por motivos diversos, entre os quais podemos encontrar sentimentos tão nobres como a ganância e a arrogância intelectual, inscrevi-me no Betadine, qual Zandinga, certo de que os meus conhecimentos futebolísticos me iriam levar à fortuna. Contudo as apostas foram feitas utilizando dois critérios que raramente se sobrepuseram. Por uma lado uma análise fria, racional e maquiavélica dos acontecimentos. Não posso dizer que tenha corrido mal, no aspecto monetário. A coroa de glória foi a previsão do empate entre Alemanha e Argentina ao fim dos noventa minutos (depois explico o raciocinio aos interessados). Pagou 3.20 para cada euro apostado. O problema foi que apesar do prognóstico frio racional e maquiavélico do resultado desejava ardentemente a vitória da Argentina. Pelo que o golo na Alemanha a poucos minutos do fim era simultaneamento desejado e execrado. A lógica racional fodeu-me contudo, ou também aí, como preferirem e dependendo do ponto de vista. O maior responsável nesse aspecto foi a Suécia que não conseguiu ganhar aos simpáticos tobaguenhos. A aposta emocional, no entanto, também pagou, mais do que seria suposto, até. Portugal contra a Holanda por exemplo. Digo aposta emocional porque, independentemente do cálculo de probabilidades, não estava para nova mistura de sentimentos.
Nos jogos de Portugal com a Holanda e a Inglaterra as probabilidades da casa estavam sempre contra Portugal, quando uma análise histórica, racional e séria indicaria o contrário, tal como o momento de forma das equipas, aliás. Logo mais guita para os que apostaram em Portugal. Mas isto pode apenas querer dizer que o volume de negócios da casa é maior na Holanda e na Inglaterra do que em Portugal. Mais ainda que a tendência para apostar nos jogos que nos dizem alguma coisa será maior do que para apostar em jogos apenas sacar dinheiro. Mais ainda que os holandeses e os ingleses apesar se saberem que as suas equipas estariam condenadas ao fracasso, como costume, mereciam que eles pusessem o dinheiro onde tinham o coração. Num acto mais de fé do que de racionalidade económica. Mais ainda a Betadine sabe disto e manipula as probabilidades de acordo com as expectativas que tem do comportamento dos seus clientes e não de acordo com qualquer tipo de análise futebolística que possa ser feita.
Isto tudo para dizer que por mais que me paguem para o ano não aposto por nada deste mundo em vitórias do Benfica e do Porto para o campeonato, ou para qualquer outra competição.


Jornal idiota



O mito da qualidade do jornalismo desportivo português, não é apenas um mito. Até meados da década de noventa, não obstante alguns desvios ocasionais, A Bola era, sem qualquer tipo de exagero, um jornal excelso. Divisão equilibrada entre futebol e as outras modalidades. Jornalistas não apenas conhecedores da modalidade sobre a qual dissertavam, conhecimento muitas vezes derivado da prática da mesma, mas que apresentavam uma sólida formação cultural e uma perícia para a escrita. Criativa, original, pessoal. Ainda iam longe os tempos das edições diárias e da necessidade de o relato do jogo estar pronto meia hora após o fim do mesmo, embora existissem alguns casos de "narração criativa". Mas o mais importante é que para além do acontecimento estar no centro da notícia, existia uma lógica de equilíbrio e neutralidade na notícia. Isso não implicava obviamente que todos os clubes e selecções tivessem a mesma atenção. Significava porém que o jornalista era um narrador tendencialmente imparcial. A recente vaga de jornalismo de cachecol, com o próprio Jorge Coroada a comentar a arbitragem dos jogos de Portugal de cachecol ao pescoço, esquece tudo isso ppara apostar na identificação cega de uma audiência com uma selecção. Hoje é a vez de O Jogo, jornal que se vem revelando sério na medida do possível, fazer uma primeira página chamando idiota a Ribéry. Certamente que se esqueceram do idiota do Maniche, que no fim do jogo com a Holanda nos dizia que foram "mais três pontos".



Depois de assistir ao Brasil-França passei os dias seguintes a tentar ver um resumo do jogo que fosse de jeito. Nada. Imagens mal-amanhadas, o golo, alguns protestos e muita bandeirinha e comemoração de rua, ficando os infelizes que não assistiram ao encontro na mais profunda ignorância. Algumas horas antes, Portugal ganhou aos ingleses. Retirando o filtro da emoção nacional sobrou um jogo fraco e calculista em que os ingleses com 10 jogaram melhor do que os portugueses com 11, embora o Scolari, amigo, lá tivesse metido o Postiga para equilibrar as coisas. Alguém, além dos centrais e do Ricardo nos penalties jogou bem? Não me lembro, talvez o Miguel. Uma chatice, no geral. À noite tudo foi diferente, diferente e importante para o futebol. Parreira tem os melhores jogadores o mundo e acha que, se montar uma equipa sólida e chata, mais cedo ou mais tarde um dos craques decide. Scolari não é assim tão diferente. Contra os contabilistas houve Zidane, o grande circo de Zidane. O francês divertiu-se, com aquela forma de a bola se colar ao seu corpo, que aparentemente é pouco ágil. Jogou bonito mas nunca para a plateia, jogou bonito em beneficiou do jogo. Meteu o Brasil no bolso. Pelos resumos televisivos ninguém percebe o que Zidane fez, os pequenos toques, a leitura perfeita, um controle extraordinário sobre o corpo. Mas claro as televisões só querem bandeirinhas e transformar o Montijo na capital do país. As emoções do jogo ficaram todas com Zidane. Se continuar a jogar assim amanhã, estou preparado, 22 anos depois, para ter mais uma posição anti-patriótica.


São os meus heróis


Nos últimos dias Maria Filomena Mónica, José Miguel Júdice ou Pulido Valente, em diversos registos falaram-nos de bola. Embora pegando no tema do Mundial a partir de diferentes ângulos, a nota comum aos seus discursos era a submersão do país no futebol e a dificuldade de falar noutros temas por estes dias. Não que não existessem assuntos dignos de nota mas que o país não estava para aí virado. E assim sendo não lhes cabia a missão de falarem dessas outras questões de superior interesse para a pátria. Com a saída de Freitas do Governo no dia anterior ao Portugal- Inglaterra multiplicaram-se à esquerda e à direita as vozes que protestavam contra o aproveitamento do Mundial por parte do governo para efectuar a remodelação. De surra, dizem eles, enquanto o bom povo embriagado pelas emoções do jogo dorme o seu sono opiáceo. A tese bola-alienação no seu melhor. As elites atentas e alerta chamam novamente a atenção do povo borrego para as grandes movimentações políticas que vão transformar o seu destino. O que eu gostava de saber é quem é que não percebeu que o Freitas bazou? E já agora seria igualmente prazenteiro que estes senhores me explicassem que influência profunda é que isso vai ter no destino da pátria?


A Lotaria


Do mesmo modo que se diz há mais de 20 anos que a selecção do Brasil joga um futebol deslumbrante, sem termos tido grandes evidências empíricas do facto, durante estes período, a ideia de que os penaltis são uma lotaria onde tudo pode acontecer também é repetida até à náusea, não apenas por comentadores mas também por jogadores, treinadores e responsáveis. Como então explicar que a Alemanha nas três vezes em que foi chamada a desempatar partidas do Mundial através de grandes penalidade se tenha safo sempre? E que, por sua vez, a Inglaterra, entre Europeus e Mundiais, tenha ido para o caralho todas as vezes, 5, em que isso sucedeu?
Dito isto, Portugal ontem se calhar não mereceu ganhar o jogo. Mereceu na medida em que o nacionalismo imperialista da Inglaterra merece sempre levar uma teca, mas em termos de jogo jogado a Inglaterra teve duas ou três ocasiões de golo que teriam dado em golo para aí em 90% de jogos. A França por sua vez deu a primeira demonstração de força bruta a que pudemos assistir neste Mundial. Já tinhamos tido uns lamirés da Argentina ou da Espanha, mas uma manifestação de poder deste tipo ainda estava por ver.





Rui Machete, hoje, na sua coluna do DN diz-nos que o que o país precisa é de capital social. Tive um professor que também entendia que o "atraso estrutural português" era justificado pelas lacunas de capital social. O conceito significa, para estes senhores, apenas duas coisas, muito básicas e incipientes: redes de contactos e confiança nas instituições que lubrificam o funcionamento do sistema. O problema é que numa sociedade contratual e que se quer aberta o capital social remete-nos para as velhas formas de controle social tipícas de socidades tradicionais, redescobre o valor da família, enquanto garante da ordem social e moral e vê nas redes de interconhecimento, que em Bourdieu são um mecanismo de fechamento e reprodução social, a condição para o desenvolvimento, tal como ele é entendido pela ciência económica. Isto na sua dimensão mais ou menos objectiva. Na sua dimensão mais ou menos cultural estes senhores entendem que o capital social é um recurso quase genético, no sentido em que ele está estritamente associado aos países de matriz anglosaxónica, sendo essa mesma matriz protestante que justifica o desenvolvimento sócio-económico dessas regiões. No caso do capital social que abunda pela Sícilia ou pelo Norte de Portugal, essas redes de interconhecmento já não são capital social. Ou melhor, são capital social negativo, na medida em que sobrevarorizam as solidariedades locais em detrimento das religiosas ou civilizacionais... (lá está, todos os protestantes amam-se até à morte).
Resulta daqui uma defesa do mercado aberto numa sociedade conservadora e moralista. Boa parte das investigações a que estes tipos se dedicam no nível micro são sobre o insucesso escolar dos filhos de mães divorciadas. As taxas de sucesso escolar entre os filhos dos imigrantes vietnamitas nos EUA (as gajas ficam em casa a tomar conta dos filhos). A importância das redes de interconhecimento e da endogâmia social para a fluidez dos negócios de diamantes entre os judeus de Nova Iorque. Não é à toa que o Fukuyama é dos maiores defensores do conceitos.
Chamem-lhes cons, neo-cons. Ou em português, os neo-pulhas ou os neo-trafulhas. Como preferirem...


controlar


A entrevista de Abel, no Sportugal. Nem todos os jogadores da bola são atrasados mentais...




... V - LISBOA




As transmissões televisivas do mundial de futebol andam, para utilizar um termo da constelação kumariana, pasteurizadas. O Maradona descontrolado de alegria junto aos adeptos argentinos deixou de interessar aos produtores do mundial. Inversamente, temos que gramar com inúmeros planos de Beckenbauer, na sua elegância conservadora, acompanhado de uma loura politicamente correcta. Ontem houve um momento que caracterizou esta pasteurização. Quando no final do jogo, alguns jogadores argentinos quiseram fazer a folha ao adjunto da equipa alemã, as imagens que começaram a mostrar o devaneio sul-americano foram rapidamente substituídas por um plano do público alemão em festa. É pena, porque aquilo prometia. Esta é a mesma lógica que aponta o dedo aos árbitros desculpando os jogadores, porque estes é que vendem publicidade. A pergunta que se tem que fazer é por que razão não se concedem aos árbitros outros meios para combater o erro? Qualquer programa de computador eliminava situações de fora-de-jogo e bolas que não se sabe se entraram ou se saíram. De resto, em termos de jogo, as transmissões não estão más, embora se abuse dos planos de pormenor, dos planos dos bancos, dos planos dos adeptos, em detrimento dos planos largos do jogo. Os planos de pormenor deviam ser privilegiados nas repetições, mas não no directo. Os resultados de ontem acabaram por ser merecidos. O treinador argentino tem melhor equipa, mas em vez de jogar para a goleada, que era possível, preferiu entrar na contabilidade e lixou-se. Deixar o Messi no banco para fazer entrar o mais que duvidoso Júlio Cruz é crime suficiente para explicar a derrota. A Itália esteve surpreendentemente bem. O jogo até não foi desagradável e os italianos não deviam marcar três golos num jogo há quase 20 anos. Hoje há mais e se a minha bola de cristal continuar a funcionar bem, lá temos o Brasil e a Inglaterra nas meias. E claro cumprimentros à lagartada, sem eles a nossa existência seria mais triste, formar-se-ia um vazio irreparável.






Em 1986 eu estava lá. Quando depois de uma derrota por 1 a 0 em Barcelona o Sporting deu a volta ao resultado em Alavalade 2 a 0... apenas para a doze minutos do fim, Roberto, salvo erro rematar à entrada da área passando a bola por baixo do corpo de Vítor Damas e em direcção às redes. Em 1991 vi o Oceno a falar três golos na cara do Zenga para depois levarmos dois secos em Milão. Com o Grasshoppers e o Rapida Viena. Com o Casino Salzburgo e o Real Madrid. Essa eliminatória define não apenas um clube, não apenas a biografia de um tipo mas todo um modo de estar na vida. Toda uma relação com o mundo. Depois de um Frango, com F maiúsculo de Lemaic, logo no início do jogo, o Sporting partiu para uma exibição memorável. Das melhores que pude asistir em vinte e poucos anos de futebol. 11 000 sportinguistas em Madrid e três bolas à barra depois, todas por juskowiak, se a memória não atraiçoa, a eliminatória vem aberta para Alvadade. O sporting faz o 1 a 0. Ataca mas não consegue mais. O Real empata, mais uma vez por Laudrup e com mais uma tremenda dádiva desse Maussiano guarda-redes. Já a meio da segunda parte o 2 a 1 para nós. Para não variar a esperança ressuscitava, milagre recorrente ali para aquelas bandas. E aí caíu o véu que encobre o nosso mundo e que sempre, mas sempre nos acompanhará. A cerca de doze minutos do fim do jogo e já numa situação de desespero Juskowiak apanha uma bola na meia lua à entrada da área do Real. Remata convicto e a bola vai ao poste... não satisfeita percorre toda a linha de golo da baliza do adversário...apenas para novamente bater no poste e ressaltar para a saída da pequena área. Num assomo final de crueldade, a esperança bate novamente à porta quando leva a bola para os pés do Balakov que mais uma vez remata...para a baliza... somente para a bola bater num jogador do Real e sair pela linha final.
Num momento atípico, no último lance da segunda parte do prolongamento da segunda mão da meia-final da Taça Uefa o mais improvável dos jogadores, Miguel Garcia, ainda tentou contrariar este destino, apenas para duas semanas mais tarde e somente depois do intervalo o Mundo mostrar-nos de novo a sua verdadeira face. O milagre estava justificado.
Eis o Sporting. Por quantos mais anos teremos que pagar pelo Cantinho do Morais?


1 de Julho





Tu sabes bem
Qual foi o ano em que ele nasceu
mil 906 e desde sempre foi sonho meu
Tu sabes bem
Qual foi o ano em que ele nasceu
mil 906 e desde sempre foi sonho meu

Oh oh oh oh Grande Sporting
Oh oh oh oh Nosso amor
Oh oh oh oh A Juve Leo
Oh oh oh oh A tua cor

Sporting Allez lalalalalala
Allez Sporting Allez lalalalalala
Sporting Allez lalalalalala
Allez Sporting Allez lalalalalala

Tu sabes bem
Qual foi o ano em que ele nasceu
mil 906 e desde sempre foi sonho meu

Oh oh oh oh Grande Sporting
Oh oh oh oh Nosso amor
Oh oh oh oh A Juve Leo
Oh oh oh oh A tua cor

Sporting Allez lalalalalala
Allez Sporting Allez lalalalalala
Sporting Allez lalalalalala
Allez Sporting Allez lalalalalala



O Brasil é um mito do futebol contemporâneo e ainda anda a recolher os louros de 1982. Apesar de os jogadores brasileiros serem do melhor que por aí anda - em todos dos géneros, desde o génio da área, até ao artista de circo passando pelo médio cerebral ou pelo defesa trauliteiro, sim esta é para ti Luisão - para o campeonato brasileiro não há muita paciência. Para a selecção muito menos. Por stes dias é quase uma obrigação torcer pelo Brasil considerado pela Noke como o último baluarte do futebol espectáculo e impingido como tal a todo um planeta.Na minha curta existência devo admitir que não me lembro de ver o Brasil a fazer um grande jogo. Em 1986 só tive olhos para vocês sabem quem. Em 90 o Careca e mais um ou outro não chegavam. De 94 lembro-me da Bulgária, da Nigéria, de vocês sabem quem, e de um fabuloso Argentina- Roménia, que na altura tinha uma equipa magnifíca. Em 98 desconfio que o Brasil poderá ter feito bons jogos. Não me lembro da maior parte desse ano, e por maioria de razão também me falha o Mundial. Em 2002 foi uma miséria, uma vergonha, um asco e outras coisas que o meu parco vocabulário não me deixa exprimir. Um nojo resumidamente Este ano com a constelação de estrelas a brilhar mais do que nunca, o futebol anda desaparecido no coração da noite, para não dizer das trevas. Sobra a Copa América, mas contra o Chile de Tello é mais fácil jogar bem. Por isso não vale. O Brasil é por isso uma ofensa a todos os amantes de futebol. O Brasil é o "tou-me a cagar para esta merda" do Riquelme, respeitável, misturado com o pior do "pera aí que já vais ver" dos italianos, sem porém. ao contrário do que sucede com qualquer um dos casos acima mencionados, ser um futebol para si. O futebol do Brasil neste Mundial é um futebol em si que não chega a ganhar qualquer consciência de si mesmo.
É uma pena, para mais, que pelo menos um dos baluartes do futebol tédio das últimas duas décadas já tenha um lugar garantido na final. Resta-nos a esperança que Portugal e França possam alegrar os dias de Mundial que restam.



    António Vicente

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