HotelLisboa

O porteiro do estabelecimento, Semion, acendera todas as lâmpadas das paredes e o lustre, assim como o candeeiro vermelho em cima da entrada. (Aleksandr Kuprin)




Oliveira 3 - Árvores das patacas 2


O problema dos jogos de futebol entre representantes de nações, continentes, culturas e o raio que os partam é que não há inocentes. Não há pachorra para os africanos e a sua mania da perseguição, mas há ainda menos pachorra para artigos como o de Pedro Lomba hoje no DN, onde se faz ode à excelência europeia. Não há pachorra para o nacionalismo bacoco de Scolari, mas ainda menos para os que, quando saíram os convocados, disseram não ser aquela a selecção de Portugal mas a má escolha de um estrangeiro. Os campeonato do mundo devia ser feito da seguinte forma: cada país convocava os seus jogadores, punham-se os nomes dentro dum vaso, ou dentro daquela coisa redonda de onde saem as bolas do totoloto, ou dentro de uma caixa da tuperware, e sorteavam-se as equipas, dando-lhe-se em seguida nomes de árvores. Cada um escolhia a sua árvore e pronto. Os presidentes, primeiros-ministros, reis, rainhas, princípes, presidentes da FIFA e outra gente duvidosa em vez de mostrarem as trombas eleitorais e hereditárias na tribuna ficavam em casa. Posto isto, Portugal devia ganhar à Inglaterra. Primeiro porque vai jogar o Petit, depois porque é o representante de um nacionalismo pateta, ridículo e inútil, mas quase sempre inofensivo (até não lhe pegarem de forma diferente), contra os resquícios de uma arrogância imperial ainda bem viva. As meias deviam juntar Portugal e França, e Ucrânia-Argentina, mas com toda a probalidade vai ser o contrário. Mas o Riquelme e o Zidane mereciam.




Maria José Nogueira Pinto, segundo notícia hoje o jornal Púbico, levou à Câmara Municipal uma proposta que excluia os imigrantes do acesso às habitações num empreendimento cooperativo no Casalinho da Ajuda. A argumentação: " o empreendimento em causa foi desenhado para uma "pequena burguesia urbana" - visa, no essencial, fazer regressar a Lisboa jovens que tenham saído da cidade por falta de habitação compaginável com um nível de rendimento relativamente baixo. "Isto também é política social de habitação, essa política não é só para o imigrante e o pé-descalço. Não podemos fazer misturas explosivas".
Isto é, eles que fiquem lá com o África Festival no Monsanto uma vez por ano e umas casas ranhosas num monte metido no cu de judas no casal da mira que em lisboa nós só queremos jovens bonitinhos. E mais não queremos que os jovens bonitinhos de classe média andem por aí metidos com as pretas. E as jovens bonitinhas com pretos....valhame deuz nem quero pensar nisso...


Momento Prado Coelho



Ao contrário do altissímo escriba não temos problemas na aquisição de tinteiros, impressoras ou outro material informático. Não podemos por isso dedicar postas sucessivas a esse tipo de questões. Isso não quer dizer que ir às compras seja para nós uma actividade isenta de problemas, antes pelo contrário. E essa condição merece ser partilhada. Ocasiões sociais específicas e as pressões familiares a elas associadas obrigam um gajo a procurar indumentárias frescas e socialmente aceitáveis. A missão do dia era simples. Uns chinelos multiusos, a puxar para o urbano, que substituissem outros já todos escafiados, e um pólo ou uma camisa digna de um casamento. Para fugir ao habitual Colombo, classe média baixa, dirigimo-nos ao Corte Ingês, espaço em Portugal bastante frequentado pela classe média média e algumas personagens das elites intelectuais aqui do bairro. O objectivo? Diversificar a paleta de cores do guarda roupa e fugir aos pólos monocoloridos da Springfield. A expecativa? O sóbrio Corte deve fugir às tendências mais jovem radical dominantes no outro espaço. O que se seguiu? Basicamente O Horror. Se procurar umas calças normais, por mais relativo e contextual que o conceito possa ser, era já uma tarefa impossível; as calças têm agora todas umas riscas, um desbotados, uns degradés, umas bocas de sino uns bootcuts e mais o caralho, encontrar um pólo que tenha umas riscas ou umas cores menos caretas do que as que usamos normalmente, sem porém cair no histerismo e na betice mais conspícua, é já também uma tarefa quase impossível. Este ano as cores dominantes são as misturas do pastel, na onda verde alface e azul bebé, com os florescentes, nos mesmos tons, mas mais estrilhosos. Os pólos de uma só cor simulam t-shirts por dentro e é muita fashion noutros casos as costuras estarem viradas para fora. Não há uma puta de um pólo normal com um tom de fundo e umas riscas noutra cor a condizer. O Horror. A onda parece ser o pólo rosa com riscas verde alface da Lacoste numa cruzada pela hegemonia global. O resultado? Os bens necessários foram adquiridos após várias horas de deambulação sorumbática pelo espaço e com a ajuda de uma mão amiga. O sofrimento por enquanto cessou. Continua nos próximos capitulos.


Africanices e gabrielices


Depois de mais um falhanço etnográfico no último domingo, o que diz muito sobre a minha hipotética vocação antropológica, fiquei em casa a assistir ao Gana-Brasil numa de etnografia televisiva entre dois canais moçambicanos e um angolano. Na TPA, televisão de Angola,lá vislumbrei a voz inconfundível do Gabriel Alves. O Gabriel, pelas entrelinhas, lá desfilou todos os lugares-comuns sbre as equipas e os jogadores africanos. Passou o jogou a dizer que o Brasil era uma desgraça e que estavam todos velhos, gordos e acabados e que o Gana, apesar de estar a jogar melhor, era ingénuo, infantil, imaturo, etc. A coisa atingiu o seu auge quando afirmou que, quando o Brasil apanhar uma equipa a sério, é que vai ver, para rapidamente emendar e dizer que bom, quer dizer, não que o Gana não seja uma equipa a sério, mas a imaturidade, já se sabe. No estúdio, o comentador de serviço na TPA tinha uma opinião diferente. Depois de introduzir o jogo afirmando que todos os antigos campeões do mundo estão a ser levados ao colo pela arbitragem, terminou a dizer que o Gana foi mais uma vez, como todas as equipas africanas, vergonhosamente roubado. Os canais moçambicanos foram mais razoáveis, mas não deixaram de qualificar o Brasil com adjectivos até agora apenas utilizados em equipas do centro e leste da Europa, esse monstros de frieza e eficácia. Entretanto, ainda em tempo de rescaldo, é relativamente bizarro que quando os jogadores passam o jogo à pêra uns com os outros a culpa seja do árbitro. Admitam a loucura, acontece, de vez em quando, porrada no pessoal.





É uma pena que as hipérboles recorrentemente utilizadas no comentário desportivo tanto por parte dos praticantes como dos comentadores não tenham tanta saída noutras áreas da nossa vida quotidiana. Isto porque quando se trata de coisas "sérias" o eufemismo é de longe a figura de estilo preferida dos responsáveis e dos analistas. Veja-se o modo como Jean-Claude Trichet "o responsável máximo" pela política monetária nos prepara para os dias que se avizinham. Onde o ilustre senhor fala em "reduzir os custos de trabalho" outros mais exagerados e com menos chá diriam reduzir os salários. Por outro lado garante que a produtividade do trabalho é essencial. Pessoas de má fé diriam que quer é pôr o pessoal a trabalhar ainda mais no duro e se calhar durante mais tempo. Quando fala na competividade existirão certamente os que na sua mente deturpada poderão ler a expressão como concentração económica e uma acumulação crescente de mais valias. Uns exagerados do caralho, é o que é.


Sérvia-Itália


Os jogos do mundial, como era previsível, estão a descer de qualidade, menos ritmo, menos risco no passe, mais defesas, segundas partes ao ralenti. Pode ser que hoje a coisa melhore. Por cá, o país vai parar para ver o Gana, legítimo representante do continente. O treinador sérvio do Gana afirmou que, ao contrário do que muitos pensam, o Gana não tenta jogar com um estilo brasileiro mas com um padrão sérvio, seja lá isso o que for . Para os adoradores das metáforas dos estilos de jogo lá vai mais uma bola à trave. Diga-se que Parreira não é propriamente um intérprete do que se convencionou chamar de estilo brasileiro. É possível que, no fundo, que em vez de um Gana-Brasil venhamos a ter um Sérvia-Itália. O Portugal-Holanda também não deixou de parecer um Paraguai-Chile e o Austrália-Itália um Paços de Ferreira-Gil Vicente. À atenção de todos as crónicas de André Vilas Boas em O Jogo.


Camões explica


Depois de o grande poeta nos ter elucidado sobre a natureza do amor entre Pinto da Costa e Carolina Salgado, podemos mais uma vez a ele recorrer para sintetizar a situação dos gays em Portugal, e de um modo geral em todos os locais onde ainda não viram reconhecidos os seus direiros sociais. Pode-se dizer que é um contentamento descontente.




No dia 27 de Junho de 1969 um monte de paneleiros em fúria mostraram que não eram paneleiros.


mercados e audiências ou agora escolha





Dados recentemente divulgados mostram o desastre de audiência que são as emissões mortalha dos não-acontecimentos do mundial, que se entendem da alvorada ao crepúsculo. Se continuam não vos sei dizer porque felizmente ainda não me entram pelos sonhos adentro. Apesar de tudo as televisões insistem em continuar com a palhaçada. Outra coisa que não se percebe é a insistência em auscultar as opiniões dos políticos que se põem a jeito no fim dos jogos para nos trasmitir televisivamente as suas emoções relativamente ao mesmo. Que Madaíl no fim do jogo de ontem fizesse de moço de recados de Cavaco é natural, dadas as evidentes afinidades ideológicas entre ambos. O mais incompreensível é que, em plena ditadura do mercado e das audiências, sendo os políticos um péssimo produto televisivo e um destruidor de audiências as televisões insistam em bombardear-nos com os gajos. Ontem por exemplo, teria sido muito mais importante conhecer as emoções que atravessaram a Merche durante o jogo, do que apanhar com uns comentários sensaborões do Pedro Silva Pereira em plena zona mista. Ou ainda, em alternativa à Merche e durante duas ou três horas, saber o que é que o Luis Freitas Lobo e o Peseiro acharam do jogo.



Depois desta última cedência à cultura dominante e de não ter perdido tempo nenhum a falar daquela bela pantufada que o Deco deu ao Heintinga, esteticamente das melhores pantufadas dos últimos tempos, em especial quando vista através da câmara que está junto à relva, é importante falar do minuto verde da Quercus, programa diário que a organização ambientalista tem no Bom Dia Portugal, espaço matinal da RTP. O programa almeja salvar o planeta através de pequenos gestos quotidianos. A ideia é gira e indiscutivelmente útil. No programa de hoje , Francisco Ferreira, grão-mestre da Quercus, lá apareceu com o seu ar adoentado, característica que partilha com grande parte dos ambientalistas portugueses, debaixo do chuveiro de uma casa-de-banho. Felizmente não estava nu. Depois de um sorriso, lá começa por dizer que os portugueses gastam diariamente, em média, 12 minutos e meio a tomar banho. Ora isto é terrível porque se perde imensa água e o mundo vai acabar, e os gelos da antártida estão a derreter, e o efeito de estufa, e a camada do ozono, e as focas e as lombrigas e não sei mais o quê. É imperioso reduzir o tempo do banho. Como? Há várias formas. Franscico Ferreira começa então a falar sabiamente da relação negativa entre o ensaboar e a água a correr, do número de ensaboadelas, do tipo de champô, da pressão do chuveiro, do modo como, especialmente nos homens, se deve inclinar o corpo ligeiramente para trás para a água que nos passa pelos cabelos siga noutras direcções e cumpra o seu papel purificador, etc. Em suma, com algum jeito, podíamos baixar a média do banho para 37 segundo e 42 décimos, vá lá, 38 segundos, para não sermos demasiados rigorosos. O passo seguinte é, claro, abolir o banho. O problema do Minuto Verde, que volto a dizer é um programa importante, é deixar transparecer um regresso à natureza, onde não há frigoríficos, aspiradores, automóveis, electricidade, plástico, tabaco, álcool e em que temos todos que comer bróculos e tangerinas e andar a pé, evitando matar, claro, as minhocas e outros bichos rastejantes.






Formalismos


Era bom que Portugal hoje ganhasse; era bom, jogando melhor. Se assim não for, que ganhe a Holanda. O Mundial, até ver, tem corrido bem. Éimportante que o bom futebol continue a ser beneficiado. O jogo sempre acima da pátria.




Já para o Panteão



É imperioso que o símbolo máximo da nova cultura popular portuguesa vá imediatamente para o panteão. É elementar a justiça ao maior génio português a seguir a Luís de Camões. Como há casos em que pessoas enterradas acabam por ressuscitar sugiro que o incenerem primeiro.


escolhas


O encontro Gana-Brasil vem colocar graves problemas ao adepto moçambicano e imagino que aos africanos em geral. Deseja-se ardentemente a vitória do Gana, mas se o Gana vencer perde-se o maior candidato à vitória final que assim ainda vai parar às mãos de europeus, sejam os menos chatos, como os italianos ou os espanhóis, sejam os mais chatos, como os holandeses - e logo agora que Van Basten apresentou uma equipa monocromática - ou os ingleses ou, pior ainda, os alemães. Os argentinos também não são adorados porque são visivelmente pouco crioulizados: o mais que se pode arranjar é dois ou três morenos com alguns traços índios o que fica aquém dos critérios exigidos.




Comemorações


A fadista Mariza está em Maputo para as comemorações do dia da independência. Os bilhetes para o espectáculo de hoje à noite custam, preço único, 950 000 meticais, ou seja quase 35 euros, ou seja três quartos do salário mínimo nacional, ou seja mais ou menos o que recebe por mês uma empregada doméstica por trabalhar 9 horas por dia de segunda a sábado. Vai estar cheio.


O novo africano





A africanidade anda descontrolada . Ontem à tarde três canais a dar o emocionante Angola-Irão e nenhum a mostrar o jogo de Portugal. Flocos de portugueses de cerveja na mão por bares, cafés e átrios de hotel com um ar impotente a olhar para as corridas do Zé Kalanga e do Ali Dei. À noite, o Argentina-Holanda também ficou reservado a detentores de televisão digital não sei das quantas. Mas quis os imponderáveis do sorteio que se abrisse uma janela para o império contra-atacar. E assim, o dia da independência moçambicana, o próximo 25 de junho, vai ser festejado com um serão televisivo totalmente preenchido pelo Portugal-Holanda. É azar.


direitos humanos


Comentar os comentadores é um exercício chato, e onanista, no mau sentido do termo. A produção do consenso e a naturalização da ordem têm, porém, nestas figuras um dos seus eixos centrais. Os recentes apelos de alguns dos comentaristas nacionais sobre a questão do encerramento da fábrica da GM na Azambuja são um exemplo tipíco da forma como a arbitrariedade é a pouco e pouco induzida no senso comum. Veja-se o caso de José Manuel Fernandes que com o discurso da racionalidade económica e da inevitabilidade do fecho da fábrica, e de muitas outras na europa, solicitava ao Governo para que não interviesse na disputa. JPP, aka "JeanPierre Papin do espaço mediático tuga", reclamava aqui há uns tempos sobre o debate há portuguesa. Dizia o distinto senhor que em Portugal se ataca a contradição e nunca a posição. Só para chatear, é nesse sentido que vamos seguir. O ataque à contradição, ou ao bias, é nos tempos que correm uma das poucas possibilidades para que o pensamento relacional possa confrontar a atomização das questões que caracteriza grande parte do pensamento público português, que em cada caso vê um caso e a cada um deles aplica a grelha de leitura que mais lhe convém.
O tipo de posições defendidas a propósito da fábrica da GM, por exemplo por JMF ou JPP, evacuam da sua lógica argumentativa as condições laborais, económicas políticas e sociais em que a produção industrial se desenvolve em muitos dos países para onde são deslocalizadas as unidades de produção. Isto é, toda a questão dos direitos humanos mais básicos desaparece sob o peso de um economicismo puro e duro. " É mais barato, deslocalize-se!"
Por outro lado, os argumentos ligados aos direitos humanos são um dos eixos centrais de legitimação das invasões que se têm observado nos últimos anos um pouco por todo o planeta. O espalhar a democracia e liberdade como designio da civilização europeia. É curioso que esta polinização da liberdade só suceda em mercados mais ou menos fechados ou com matérias primas mais ou menos indispensáveis aos invasores. Os argumentos, no entanto, seguem aqui uma l+ógica moral e política que está de todo ausente noutros casos.
Não significa isto que por aqui sejamos defensores dos direitos humanos. Antes pelo contrário. Todavia esta forma de duplo pensar, por parte dos produtores de opinião, não deixa de ser perfeitamente ilustrativa dos projectos e das lógicas que enformam a construção do mundo contemporâneo. Como dizia um amigo meu:- Ou há moralidade, ou comem todos!
Se o Iraque se invade, a fábrica fica!








Consta por aí que Linton Kwesi Johnson vem ao festival de Carviçais, que se realiza entre 27 e 29 de Julho. É um acontecimento merecedor não apenas de uma peregrinação, mas de toda a glória. Tony Allen está confirmado para o encerramento do Festival de Sines, com direito a fogo de artifício e tudo. Winston Rodney, aka Burning Spear, no dia 3 de Julho em Lisboa, com direito a umas quantas patacoadas a abrir. No panorama festivaleiro nacional, com os James Blunts e os Franciscos Fernandos deste mundo em maioria são três concertos que compensam muita da merda que por aí anda. Por outro lado, deve dar que pensar à malta do binómio cultura popular/alienação.
Não sabemos se o hedonismo é o caminho para a salvação, mas é inegável que estes manos investem de significado a inversão que os Public Enenmy fazem da proposição Beastie Boysiana. A luta continua!


Dolce Fare Niente



Sábado desportivo


A democratização do televisor, pelo menos nas partes centrais de Maputo, tirou as pessoas da rua. Durante o Portugal-Irão restavam alguns vendedores a impingir bugigangas a turistas e a outras pessoas para quem o futebol não é assim tão importante: intelectuais fundamentalistas, freaks de África, viciadas em novelas à compra do trapo, caçadores de leões e outros indigentes. O sol não permitia que os ecrãs públicos trabalhassem, mas mesmo à noite, as ruas, não particularmente seguras, não se enchem. Claro que também está bastante frio, chegando as temperaturas a cair, em noites mais geladas, a baixo do 25 graus. Os moçambicanos já andam orgulhosamente armados de cachecóis, sabe-lhes um bocadinho à Europa. Mas no futebol só dá África. Ontem o Notícias, jornal que está para a Frelimo como a CNN está para o governo americano, dizia "Angola: por que nos fez sofrer assim?" A vitória do Gana deixou tudo eufórico e o meu taxista preferido, o velho senhor Bento, lá disse, "ficou provado que o preto também sabe pensar". E pensaram muito bem, despachando em grande estilo os extrordinários checos. Peseiro nos comentários, com a sua análise fina que não está presa aos caprichos da bola, feiticeira miserável que nos rouba o olhar, mas à geometria das posições em campo. Foi bom. À noite, no Daily Show, John Stewart procurou perceber qual a razão que explica o afastamento dos americanos em relação ao futebol. Um dos habituais especialistas do programa explicou que o futebol era uma metáfora da guerra, do combate entre nações, e que era evidente que os Estados Unidos não precisavam de metáforas para a guerra, preferindo usualmente uma abordagem mais prática. Do jogo de Portugal ficou um longo bocejo. Os jogadores iranianos, com uma pinta modernaça, pronta a combater os estereótipos mais idiotas sobre a nação persa, formaram um conjunto débil e inoperante. Não deixa de ser interessante que, até agora, foram os treinadores do país do "jogo bonito", os grandes racionalistas e desencantadores do jogo.





perene Justiça cósmica


A justiça cósmica que tem brindado quem joga para a frente com vitórias e golos não deve permanecer por muito tempo. Chegados aos oitavos a coisa vai mudar, imagino que para pior. Mas até lá é de aproveitar os bens ventos futebolísticos. A figura de Maradona na bancada a apoiar a equipa da Argentina pode tornar-se numa espécie de oráculo de vitória. Afinal quem é que "joga bonito"?


áfrica do cabo ao cairo


O laço da africanidade chega até à Tunísia. Os africanos defendem os africanos estejam eles onde estiverem, independentemente da história, da cultura ou mesmo da cor. Já pelo rectângulo não ousamos apoiar com idêntica intensidade os nossos vizinhos, que lá vão transportando para o campo desportivo uma espécie de nova modernidade ibérica, que ainda não passou de Badajoz. O melhor estava, porém, guardado para mais tarde. A seguir aos checos e aos argentinos estão os alemães. O facto de o campeonato alemão passar um pouco ao lado do mainstream dos campeonatos nacionais europeus impede a observação de jogadores como Ballack, que ontem, em mais uma ode aos 10s, praticamente não falhou um passe: de todos os lados, para todas as distâncias.



É bom saber que o Benfica continua a conseguir mais primeiras páginas do que a selecção. O aspecto mau da coisa é que as notícias são quase todas patetas. Transferências fantasma, processos intermináveis, jogadores em saldo, acrobacias financeiras. O habitual. Daqui a uns dias vão buscar, por empréstimo claro, um brasileiro qualquer ao Arco de Valdevez e anunciam-no como o novo Ronaldinho.




Como esta é uma casa dedicada à causa do amor, não poderiamos deixar passar incólume a homenagem do dia ao Grande Poeta, o Único, quem sabe. Pinto da Costa e Adriano Pinto, o seu nobre advogado, acusam Carolina Salgado de lhes ter incendiado os escritórios.


O tempo e o espaço


As noções de tempo e de espaço adquirem, em regiões onde a modernidade ainda não avançou de forma inexorável, uma real imprecisão.
Onde é que é o jardim das rosas?
É lá.
Lá?
Lá, para ali.
Pois.
Então combinamos para quando?
Para depois.
Depois quando?
Logo vemos.
É assim, não há muito a fazer



Por estes lados, todas as teorias da conspiração servem para explicar as derrotas das equipas africanas. Perdido o caminho mais directo, assumem a preferência pela africanidade genial do Brasil. Esqueceram-se que Parreira é o rei dos contabilistas. As equipas deviam ser pontuadas pelas suas exibições, género campeonatos de patinagem no gelo. Dava-se uma nota artística, uma nota táctica e bonificava-se a equipa pelo resultado alcançado. Assim tínhamos os checos destacados. Os checos são lindos, tudo aquilo parece um harmónio. Depois os argentinos. As duas turmas apresentam ainda a maravilha de terem recuperado os dez: Riquelme e Rosicky, este com outro dez ao lado chamado Nedved, o que somado dá vinte.


O Povo em Copos



Pelos lados do Monsanto, onde a Embaixada de Angola montou um ecrã gigante para o pessoal lá da banda poder ver Zé Calanga e sus muchachos as celebrações da africanidade, bateram na barra. Nada de especial a relatar. O pessoal foi ver a bola e estava contente por Angola lá estar. A derota foi encarda com naturalidade. Num registo typical a única nota mais saliente foi o kuduro que rapidamente transformou o estádio improvisado numa rave quase ilícita com os sons da urbanidade atlântica- podia ser Luanda, podia ser o Rio de Janeiro, era Lisboa- e a conspícua vontade dos organizadores em simultaneamente darem uma paleta civilizada, de modo a fazerem esquecer os acontecimentos de Alvalade. Com o país de férias a festa continua. Hoje o povo de Lisboa levanta-se em copos e reclama para si as ruas, sem a frouxidão bacoca dos ritos nacionalistas.
Como dizia o hino do kuduro que levava a multidão ao delírio "Ou me matam ou quê?".



Noite etnográfica um pouco ao lado. À espera que a rede do Eagles me pudesse dar a metáfora das relações de classe em Maputo. Em certo sentido a coisa foi conseguida na noite anterior e mesma na de ontem, com algum jeito, chega-se lá. O município, em colaboração com alguns privados, montou ecrãs gigantes na cidade e os pés-de-chinelo deixaram o lado de fora da rede do Eagles, onde no Sábado torceram pela Costa do Marfim. Desconfio que a defesa da africanidade voltou ontem a ser mais forte, embora de forma mais ambígua. Do lado de dentro da rede do Eagles, lá estavam todos os sonhos de Gilberto Freyre em versão de classe média, mais da massa do que da cultura. À minha frente um grande grupo de indianos, que conhecia das discussões da marginal, a louvarem a lusitanidade num misto de português e gujarate, regado com umas litradas de cerveja e whisky. Devem estar todos a arder no inferno. Bastantes mulatos, com roupa de marca e carteira recheadas e alguns negros endinheirados a vibrarem pelo jogo do ex-colonizador. Os Tugas lá estavam, mais na versão emigrante do que na de colonizador. Um madeirense passou o jogo a dizer mal do árbitro e a dizer bem da Madeira, que agora quando vai a Portugal já nem sai do aeroporto da Portela, fica à espera do avião para o Funchal. Se fosse de barco escusava de ir a Lisboa. Não foi uma noite eufórica. Canal sul-africano com os comentários da Sport Tv. Barbosa. Uma das melhores exibições da noite; nem todos os grandes intérpretes do jogo sabem explicar a sua arte em palavras. Scolari. Fez o mesmo que Pakerman ou Eriksson: não há circo nem espectáculo, apenas contabilidade. Os noticiários locais não se alongaram em comentários, mas a leitura oficial é que a africanidade tem preferência sobre a lusofonia. Portugal ganhou mas perdeu porque ganhou por poucos. Em resumo, a selecção não se aproxima minimamente da popularidade dos clubes portugueses. O que é saudável. Mesmo o empregado do Eagles, que é vagamente parecido com o Michael Jordan, apesar de dizer que os angolanos têm a mania que "são pretos de primeira", não demonstrou apoiar a equipa do rectângulo. Fora de Portugal é bastante mais simples torcer pela selecção. Por esses lados deve estar impossível.


Diário do Mundial


Sábado futebolístico iniciado pela parte burguesa da cidade. O 4 Mundos é um restaurante bar na Polana, dirigido fundamentalmente a turistas estrangeiros, em especial ao contingente sul-africano que com regularidade visita as praias moçambicanas. Muita salada, cerveja estrangeira e marisco a preços europeus, mas não demasiado. Em simultâneo com o Inglaterra-Paraguai a selecção sul-africana de rugby jogava com a Escócia. Dentro do bar, estavam os sul-africanos de origem inglesa, uns poucos portugueses alguns moçambicanos betos, quase sempre insuportáveis, outros estrangeiros e moçambicanas a passar de um lado para o outro. Juntando isto a outras coisas lembrei-me das descrições da Cuba de Baptista, embora aqui não haja nem Castros nem Guevaras à vista. Do lado de fora, os Afrikaners, para quem o rugby é forma de identidade. O relações públicas do bar, possivelmente o dono, distribuía bandeiras inglesas, as mesmas com a cruz de São Jorge que alguns fascistas ingleses agitavam na Alemanha com insultos idiotas aos anfitriões e fotografias do colonialista Churchill. Depois do mau começo de tarde dirige-me ao Jardim dos Namorados para a sessão seguinte. Jardim recuperado, onde a nova burguesia local passeia as crianças e compra gelados no Surf, grande café geladaria com esplanada para o oceano. Dois ecrãs gigantes. Escolhi aquele que estava virado para o Índico e foi aprazível ver Larsson e Yorke a correrem sobre o mar. Infelizmente a comentadora da TVM, não por ser comentadora, passou o jogo a dizer coisas como "a equipa continua a fazer o seu jogo" ou "o guarda-redes está a cumprir a sua tarefa que é defender". Saí regalado pela vista e por ter mais um pouco do very typical para contar no rectângulo. Por fim, rumei à baixa. O Eagles é um bar ao pé dos históricos campos do Desportivo e do Maxaquene. Conhecido pela frequência lusitana, o Eagles montou um enorme ecrã na esplanada, mas apressou-se a colocar uma rede à volta para evitar a entrada daqueles que não tinham 100 mil meticais (aproximadamente 6,5 euros) para pagar o consumo mínino. O efeito foi muito estranho mas deixo isso para o que espero ser a descrição do Portugal-Angola. O pessoal, alguns portugueses e as mesmas burguesias do jardim, torciam pela Costa do Marfim mas já se sabe só deu Argentina e Riquelme. Como alguém ao meu lado disse, se ele tivesse físico para aguentar o jogo todo era o melhor jogador do mundo. Terminado o jogo saí com o meu novo anfitrião para um taxi sem antes sermos alvo de mais uma tentativa de extorsão policial. Um clássico. Em Maputo, pior do que dar de caras com um bandido é encontrar um polícia. A coisa resolveu-se entre o insulto e a diplomacia, mas sem encargos.


Liberdade de expressão ou "Me Cago en Dios"


Apesar de ser um país de Marias (as mulheres de todos os presidentes da República chamaram-se Maria qualquer coisa, e nem sequer me ponham a falar em defensoras da civilização ocidental como Maria Filomena Mónica) Portugal, como a restante Europa, é um espaço laico, iluminado e esclarecido, onde a religião nada que tem que ver com a política. Por isso é que um dos argumentos mais fortes para impedir a entrada da Turquia na União Europeia é a herança Judaico- Cristã; já que a herança Islâmica não faz parte da tradição cultural europeia.A religião tem o seu espaço próprio e não interfere com outras áreas da cultura e do saber, ao contrário do que sucede nesses países atrasados que por aí pupulam.
A confirmar hoje a superioridade civilizacional da Europa alguns crentes pediram a retirada de cena da peça Me Cago en Dios, em exibição na Comuna. Depois da Opus Dei ter protestado em directo na televisão contra o Código Da Vinci é agora a vez do Teatro. É de uma superioridade brutal!



Nestes tempos de insegurança ontológica o Mundial é uma forma de os meios de comunicação social nos reassegurem que o Mundo de facto continua a ser o que nós achamos que ele é. As geralmente estúpidas reportagens laterais ao Mundial, sempre iguais nos últimos três mundiais, são o instrumento para esta confirmação. Ontem no Canal 1 a reportagem em Luanda. A repórter centrou a sua narrativa na dicotomia porbreza extrema da maioria a conviver com a riqueza obscena de cerca de 2000 angolanos que a troco de 2000 e qualquer coisa euros, mais os bilhetes!, vão à Alemanha apoiar a sua equipa. Esqueceu-se de referir que o custo de vida em Luanda é muito superior ao de Lisboa, por exemplo. Hoje no jogo a notícia sobre a selecção da Arábia Saudita versava sobre como os quartos dos jogadores tinham setas a indicar a direcção de Meca.



O locutor da televisão angolana apresentou o jogo de abertura do Mundial referindo que os jogadores alemães eram conhecidos pela sua frieza e que em 1942 o homem que liderava os destinos do país quase conquistava o mundo. Estava lançado o evento. No campo, os alemães jogaram bonito. Não foi o circo brasileiro, mas Klinsmann, um dos melhores avançados das últimas décadas, fez de uma equipa sem estrelas um conjunto que conseguiu imprimir um ritmo rápido ao jogo, com a certeza no passe a resultar numa boa dinâmica. E tudo pontuado com golos bonitos. E como se sabe há poucas coisas mais bonitas do que um golo bonito. No outro encontro do dia, os pretensamente instáveis latino-americanos do Equador fizeram um jogo matemático ou, como se diz no futebolês, de uma "frieza cirúrgica", apesar de nenhum dos seus líderes ter estado alguma vez perto de conquistar o mundo. Alternei este jogo com o Telejornal da RTP, onde fiquei a saber que o país está bestial, que a economia está em franca recuperação, que as exportações estão a explodir e tudo comprovado com números, umas gloriosas centésimas de crescimento, avalizadas por impolutas instâncias internacionais. Não falta muito para a RTP se mudar para o Largo do Rato. Mas é para animar a malta. Hoje há mais mundial e é um prazer acordar de manhã com a expectativa de cinco horas de futebol.


O Chapa



O Chapa é o liberalismo selvagem em todas as suas facetas. Apesar de indiscutivelmente rápido e prático é o resultado final do falhanço dos serviços públicos. Os chapas são explorados por privados e pagam um imposto ao estado. 20% das mortes nas estradas devem-se-lhes; temos que somar a este número mais umas centenas de atropelamentos. O peão em Maputo não tem estatuto e é atropelável com alegria. Há uma espécie de luta de classes entre o rico de carro e o pobre que vai a pé. No chapa vai o condutor, com o pé sempre no acelerador e a mão na buzina, e o um revisor que abre a porta deslizante da Toyota Hiace e assobia e grita para as pessoas que estão na rua para sacar o próximo cliente. Os chapas competem selvaticamente entre si para chegar primeiro e ter mais clientes. À custa da evidente degradação das relações humanas, que o chapa representa, consegue-se um serviço eficaz.




História oral


É urgente falar com os velhos, e de gravador na mão.


VII




Num dos vários pavilhões da IURD que pululam pela cidade um pastor grita e as massas respondem com grande energia. Mais um milagre. Domingo de manhã é o dia em que sente mais o poder das igrejas. Os crentes vestem as melhores fatiotas e de repente a cidade que era dos pés descalços e que agora é dos pés de chinelos, resultado da democratização do chinelo produzido em série, parece invadida por gangs de meninos do coro. É uma espécie de purificação dominical que varre todas as sujidades da urbe. As igrejas lutam pelas almas, pela criação de uma classe trabalhadora respeitável que , nos tempos do colonialismo, seria mais uma "classe indígena respeitável", com esperança de alcançar o estatuto do assimilado e entrar no universo dos direitos do colonizador As igrejas corrigem os modos, as aparências, os usos e costumes que tomam por bárbaros e procuram no reino dos céus a resolução dos problemas da terra. Onde falta a mão esquerda do estado, movimentos cívicos e políticos, as igrejas encontram o terreno ideal para lançar a âncora. Ganham por falta de comparência, e percebe-se que ganhem.


Luso-tropicalismo


Quando Ivette Sangalo começou a gritar "poeira" os machos moçambicanos deixaram os seus pares e voltaram para o copo de whisky. Na pista, umas trintas frenéticas davam mostras da sua alegria. No meio de muito salto alto um pequeno homem de bigode, o ser humano mais baixo na pista, rebolava-se afanosamente, gingando a pança e passando com regularidade a duas mãos em simultâneo, da frente para trás, pelo seu já escasso cabelo. Era a imagem da felicidade.


Alienação


A Assembleia Geral do Sporting Clube de Portugal decidiu, hoje, votar favoravelmente a alienação dos seus poderes em favor do Conselho Leonino. N'A Bola a coisa foi apresentada como uma votação dos sócios a favor da alienação do património não desportivo do clube. O que esta derrota apresenta de significativo não diz respeito à alienação do património, embora esta não seja uma questão menor, mas significa basicamente a extinção de qualquer tipo de poder dos sócios sobre a gestão do clube. A afirmação/imposição de um modelo empresarial, orientado para o lucro dos accionistas. A vitória do futebol mercantil sobre o futebol democrático e participativo.
Que no quadro político global esta seja uma questão de somenos importância não sei se é compreensível, mas será pelo menos expectável. Mas quem quiser perceber como funciona a hegemonia no Portugal contemporâneo, e não só, deveria olhar com mais atenção para todo este processo e tentar não apenas analisar as suas consequências mas essencialmente perceber como a dinâmica do partido vencedor foi gerada. A possibilidade de imaginar formas de organização social alternativas ao paradigma neoliberal não se desenrola exclusivamente no campo político, mas antes em todas as esferas da nossa vida que adquiriram uma autonomia, mais ou menos real, relativamente a lógicas que lhes são estranhas. Isto é, o objectivo do Sporting deixou de ser, hoje e definitivamente, ganhar jogos de futebol para apenas procurar gerar lucro para os seus accionistas. Como então imaginar formas de organização social que não submetam ao lucro e à economia todos os aspectos da sua vida se cada espaço onde essa possibilidade é real é rapidamente colonizado?
E tudo isto à mão de um bando de abutres que fazem da sua posição e estatuto social um mecanismo de legitimação da mais reles forma de roubo possível de conceber.



    António Vicente

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