HotelLisboa

O porteiro do estabelecimento, Semion, acendera todas as lâmpadas das paredes e o lustre, assim como o candeeiro vermelho em cima da entrada. (Aleksandr Kuprin)




A guerra como momento autónomo



Sem querer transformar este espaço de impróprio convívio num boletim cineclubista de terceira categoria não quero deixar de revelar a minha indignação. Os realizadores andam incapazes de terminar os filmes. Desta vez foi Clint Eastwood que resolveu acabar um poderoso filme de guerra com um cena retirada de um telefilme da TVI, com uma cama de hospital, um actor canastrão e um diálogo para o vómito. Tirando isso, a coisa não corre mal. A maior parte dos filmes de guerra convocam o espectador a identificar-se com o herói, o tipo que despacha os maus da fita, quase sempre pessoas sem rosto. Mesmo os grandes filmes de guerra americanos, que são contra a guerra, com o Apocalipse Now, o Platoon ou o Full MetalJacket, não deixam de jogar com a identificação do espectador com um herói qualquer, mesmo quando este é um anti-herói. Eastwood evita esta identificação, pelo menos durante as cenas de combate. Tudo aquilo é mau, não há qualquer prazer concedido ao espectador, é tudo desprezível e primário. A guerra como um universo autónomo, fechado, em que se tenta sobreviver, fora de questões de geo-estratégia e política nacional. A personagem do índio Ira Hayes, figura central da história de Iwo Jima, foi celebrada por uma balada de Johnny Cash.



Entre um jogador de futebol que é apanhado a conduzir bêbado às quatro da manhã pela brigada de trânsito da GNR e um treinador que fica a defender o "não" ao aborto até, pelo menos, às duas das manhã, num programa de televisão, quem é vai para o inferno com um pontapé no cu dado por nosso senhor lá nos céus? Ainda espero, até ao final do programa, que o Vieira o vá lá buscar por uma orelha, o grande filho da mãe.



Sacado do Sim no referendo


Rituais


A religião está na moda. Dizer mal da religião dos outros e elogiar a nossa, a do crente, isto é, é o corolário das lógicas mentais do pensamento religioso-fetichista das sociedades contemporâneas. O modo como as crenças se operacionalizam no quotidiano mostra-nos que elas se pragmatizam essencialmente pela repetição ritual de determinados gestos, que garantem a puridade durante a vida ao crente e o consequente paraíso ou a reencarnação depois da morte. Na generalidade dos casos, porém, a religiosidade nunca passa, felizmente, desa dimensão ritual algo ridícula. Se alguma vez estiveram perto de pessoas que jejuam nos dias sagrados devem saber como é que isto se processa. A relação que este pessoal mantém com o jejum é uma relação mais burocrática do que ideológica, se assim o pudermos definir. Um exemplo concreto. Com o jantar feito, mas a sopa ainda a cozinhar uma jejuadora recusa-se a começar a comer. Justificação: "não posso começar a comer e depois a sopa demora e vou quebrar o jejum porque isso conta como duas refeições". Isto é, o jejum conta como uma não pausa entre os vários momentos em que se leva a comida à boca e mantém-se desde que o comedaor não se levante da mesa. A ideia da refeição como um acto com diversos actos que podem eventualmente ter um intervalo entre si não conta para esta gente. Podemos enfardar à vontade desde que seja tudo seguido; agora parar dois minutos entre pratos é que é inaceitável. A ideia original de alguma frugalidade alimentar é coisa que nem sequer faz parte deste imaginário, graças a Deus, que não existe.




Em cheio


Pacheco Pereira não é alguém que nos mereça grande estima. Já aqui o citámos a propósito de debate à portuguesa, que o douto doutor julgava processar-se pelo ataque à contradição e não à posição. A questão é quando a contradição é ela mesma uma posição. Toda uma agenda ideológica. Depois de uns meses de converseta de merda sobre entidades ontológicas e princípios morais Jerónimo de Sousa ontem abriu não apenas o caminho como desferiu um dos maiores golpes na reacção. Vamos lá ver se a coisa pega. Dentro da pequena política, é evidente que não vamos ver alguns dos mais prominentes sectários da esquerda a pegarem nestes argumentos.
Aqui ficam eles:
"Onde estavam quando a reforma do Código do Trabalho promovida por Bagão Félix, ele próprio defensor do Não, veio reduzir a licença de maternidade e o carácter universal do abono? Não se ouviram os seus protestos", disse Jerónimo de Sousa...
Acusou, por isso, os partidários do "Não" de "fazerem da União Europeia o seu modelo quando estão em causa os seus interesses, de serem do pelotão da frente quando se refere aos seus negócios, mas estarem no carro-vassoura no que respeita aos direitos das mulheres e dos trabalhadores".


Tensões




Porque hoje é sábado ou outros ministérios




O concurso sobre os grandes portugueses tornou-se uma inevitabilidade. A prova disto é que muita boa gente tem passado parte substancial do seu tempo a discutir quão idiota é o concurso. Sempre é melhor, apesar de tudo, do que andar de fita métrica a perceber em que momento cósmico começa a vida do feto. A desvalorização do ranking da RTP não nos leva longe. Aceitando-se que o programa já é um facto político, o próximo passo é avaliar o seu possível impacto. Mesmo os mais cétpicos não resistem a opiniar. É triste, digo eu, que o Obikwelu não possa ganhar. Num espectro de maior seriedade faltam as preferências populares, afastadas por uma imbecil ética da responsabilidade. O St.º António tinha piada, porque a Igreja não gosta de santos populares. A Amália era obrigatória; e, claro, não se percebe a ausência do Eusébio, sem dúvida a única pessoa que merecia ganhar. Ele e o Chalana, obviamente. E talvez o Néné e o Diamantino, esquecia-me do Diamantino. Posto isto, temos os dez. A presença do pessoal dos Descobrimentos prova a vitória da escola nacionalista, da Expo 98 e de outros comemorativismos. O Camões, que ninguém lê, é o homem do 10 de Junho, do antigo dia da raça. É pelo nacionalismo que ele lá está. O Marquês, um déspota relativamente esclarecido, tem uma estátua com um leão, o que o torna não ilegível. Uma vitória do D. Afonso Henriques podia ter alguma piada: o primeiro português é o melhor português, a partir daí foi sempre a cair. O Pessoa e o Aristides representam o voto choninhas, politicamente correcto, da classe média descomprometida ou pouco comprometida. Um tédio. Os dois não sobreviveriam, aliás como nenhum dos outros, à prova de valor democrático a que tem sido submetidos Cunhal e Salazar. Este é o duelo engraçado da coisa, aquele que representa a luta de visões globais sobre o mundo actual, ou pelo menos recente. A falta de outra visões importantes sobre o Portugal contemporâneo, como a de Soares, resulta da lógica do programa. O programa pode ser estúpido, que o é, mas as leituras políticas vão ser inevitáveis. A posição da opinião publicada e as suas justificações garantem um momento sociológico único para avaliar do estado dos posicionamentos sociais e ideológicos que representam a opinião dominante em Portugal.


Equações


Dizem os especialistas que este foi o dia, ou o jogo, em que o futebol morreu. Tal como sucedeu com muitas mortes nos últimos duzentos anos, desde a história, até Deus, que não existe, passando pela arte, estas notícias foram ligeiramente exageradas. Não deixa, todavia, de ser evidente a mudança paradigmática que desde então nos tem perseguido. Com a excepção de fogachos como o Sporting de Peseiro, o Barcelona de Cruyff, talvez o Marselha de Michels e o Real Madrid de finais de 90 não voltamos a ter futebol hedonista. A eficácia do prazer cedeu o seu espaço ao prazer da eficácia. Fica aqui o resumo, cortesmente cedido pelos nossos amigos no Baluquistão.



Os mais doentes poderão encontrar o jogo na sua totalidade narrado em inglês no you tube.


Pasteurização


Os jornais do dia dão uma notícia com uma alegria incontida: As lesões cerebrais podem ajudar a largar o vício do tabaco. Isto é, mais vale ter uma lesão cerebral, numa zona aparentemente essencial para controlar as emoções, e que essa zona não funcione, do que fumar uns cigarros. É à Lavoisier. Neste caso é ver o cancro do pulmão transformado em lesão cerebral, mas ao menos não há cá fumos, nem prazeres nem nada dessas merdas.


Consultoria


Por um preço simpático estou disponível para ser consultor dos partidos de esquerda portugueses, e em particular de uma certa esquerda de classe média urbana e sofisticada. Desde que me avisem sobre o que vão falar eu prometo que não vos deixo dizer alarvidades nojentas. Podem mandar os mails.
Vem isto a propósito dos comentários que os comentários do Marcelo mereceram. A maior parte desde pessoal de esquerda não atacou o argumento. Veio dizer que o que Marcelo quer é instalar a confusão nas cabecinhas dos simples que são os portugueses. É evidente que neste momento já há para aí três milhões de pessoas que à conta das declarações de Marcelo já não sabem o que hão-de fazer. Mas ainda bem que o pessoal de esquerda não se deixa confundir e está cá sempre para nos avisar quando alguém nos tenta confundir. É o chamado poder do texto. O Ser popular, não como em processo mas na onda ontológica, se repararem bem tem maiúscula, é uma folha em branco onde qualquer imbecil pode escrever. Se lhes derem o Mein Kampf a ler eles viram nazis. Se lhes derem o pequeno livro vermelho eles viram comunas. Não quero parecer assim muito estruturalista e determinista, mas estes badamecos (os da esquerda) podiam ir para o Norte confundir as pessoas que não as iam convencer de coisa nenhuma, como aliás se viu durante o PREC. Os partidos de direita nem sequer precisam de fazer grande campanha no interior Norte, por exemplo, porque o pequeno proprietário, etc., já sabe em quem é que vai votar, do mesmo modo que o trabalhador no Alentejo também, tendencialmente, tem uma orientação bem definida. Existem razões estruturais para o voto, ou de modo mais lato, para as escolhas políticas que estão muito para além de voluntarismos urbanitas. Mas não, a boa esquerda, sempre na vanguarda, continua a julgar que atrasados mentais são os eleitores, passíveis de serem convencidos por qualquer populista ignorante. É pena que ela, a boa esquerda, não tenha o mesmo poder. Mas já sabemos a resposta, não é? Os nossos argumentos são racionais e complexos e é mais difícil entrarem naquelas cabeças duras de campónio.



Quando ouço dizer que certo filme é mau porque puxa o sentimento fico alerta. Em princípio estou disposto a assinar por baixo, mas depois lembro-me que o Eduardo Prado Coelho pensa a mesma coisa e a preocupação instala-se. O Eduardo, afirmando a sua burguesice, não gosta dos Fellinis e dos Kusturicas, povo, mulheres roliças, gargalhadas, música descontrolada e confusão a mais. A fraqueza e o excesso sentimentais é coisa do povo, a burguesia que se quer realmente burguesa é distante, fria e reflexiva. A burguesia é quase sempre uma chatice, mnas isto é uma forma preguiçosa de resolver o assunto. Não há propriamente uma solução para o problema, o que se confirma depois de ter visto o internacionalmente elogiado Babel, um filme bem lançado que se torna incómodo pela sua insuportável manipulação sentimental. A coisa puxa o sentimento, é moralista, não se percebe onde quer chegar e tem a cara dos óscares, como o também ambíguo Traffic tinha o ano passado. A ver para depois dizer que mais valia ter ficado em casa.



O concerto dos Nirvana no Rio de Janeiro, que circulava em VHS's manhosas, era um dos objectos musicais de culto dos idos de noventa, antes da net e do youtube. O momento de culto total era o solo de trompete do Flea durante o Smells like teen spirit, uma espécie de Coltrane meets Chet Baker, no último estertor do Punk Rock.


De borla



Grandes frases


Judas foi um cidadão que votou útil – Adriano Moreira, DN, 29/06/87



Avelino Ferreira Torres rachou uma orelha ao candidato socialista à Câmara Municipal de Marco de Canavezes e ameaçou tirar a língua a um deputado do PSD, na sequência de uma contenda verbal aos microfones de uma rádio local.Entretanto o deputado Alberto Araújo, apresentou já em tribunal uma queixa contra Ferreira Torres, na sequência de um outro incidente, no qual o presidente o apodou de 'pandilha' e disse que não valia a pena evocar imunidade parlamentar porque ‘depois de lhe ter dado um par de estalos já ninguém lhos tira’. Expresso, 08-12-89


Busby Berkeley





Laços de sangue


Procurar dinheiro no Portugal contemporâneo não é fácil. A solução mais evidente é o recurso aos progenitores. Quando isso não é possível temos um conjunto de actividades ilegais. Quanto não estamos para aí virados, seja porque motivo for, a solução é procurar trabalho. Para além do trabalho existente em Portugal ser acéfalo e mal pago, não é para todos. Apesar o discurso constante sobre a originalidade da colonização portuguesa e todo um conjunto de lugares comuns que lhe estão associados o mercado de trabalho prova como as coisas são diferentes. No trabalho tal como na atribuição de residência, na aquisição de nacionalidade, bem como no reconhecimento da paternidade o sangue continua a superiorizar-se à prática, se assim pudermos definir a coisa. Um exemplo muito simples. Em Portugal um estrangeiro residente não pode entrar para os quadros da função pública, e não apenas para a polícia e o exército. Em Inglaterra todos os postos na função pública, excepto no MI5, são explicitamente dirigidos para os cidadãos britânicos, europeus e membros da Commomwealth. Assim se tiverem um jovem monhé a residir em Portugal com todo o percurso escolar efectuado no rectângulo ele poderá candidatar-se aos postos de trabalho na função pública britânica, mas não na portuguesa. Claro que também podem ir ver a linguagem com que os anúncios são publicados em ambas as bolsas públicas de emprego e esse é um indicador de modernidade que funciona como o algodão.


Evidências


À falta de grande conversa ao jantar, resolvi averiguar junto da senhora minha mãe se estava ciente do caso Shilpa Shetty e se sabia como é que a coisa estava a ser acolhida na terra mãe. A senhora minha mãe disse que tinha visto qualquer coisa nas notícias e que se dizia que os outros a andavam a insultar e tal, mas que a culpa também era dela: "quem é que a mandou meter-se numa casa com brancos? Dá sempre merda".



Ontem houve bola às cinco da tarde. Bola a um domingo às cinco da tarde. O que prometia ser um momento de romantismo nostálgico rapidamente se transformou num banho no país moderno que Portugal procura ser, mas ainda não sabe muito bem como. Com uma assistência de 14 mil pessoas só consegui entrar para o estádio às cinco e meia. A hora e meia anterior foi passada numa fila na bilheteira do Alvalade Séc. XXI à espera de uma possibilidade para adquirir o ingresso. Contingências da informatização do sistema de aquisição de bilhetes e da moderna e racional gestão que foi implementada no clube. Durante esta hora e meia, por entre debates sobre Carlos Martins, as falcatruas da direcção ou a pobreza das exibições o tema do aborto também veio à baila. O interlocutor, a corfirmar receios anteirores, confirmou o seu voto pelo não. Ainda o justificou com um argumento racional de início. A lei portuguesa é igual à espanhola, portanto o problema não está na lei. Temos é que melhorar a sua aplicação e não podemos andar a udar de lei de cada vez que uma é mal aplicada. Confrontado com o reaccionarismo da classe médica portuguesa, o argumento evoluiu um pouco. O jovem achava que as duas situações que deveriam permitir a realização do aborto já estavam consignadas na lei e que não podiamos andar por aí a fazer abortos à toa. Mais uma hora de debate e lá formos parar ao argumento da necessidade de responsabilizar as pessoas pela sua conduta sexual. A culpa. Mais mais fixe do que isto tudo foi ver o mecanismo mental através do qual o pensamento conservador funciona. O medo da mudança mas essencialmente a necessidade de garantir que independemente das práticas privadas a moral pública continua a garantir a supremacia dos "valores colectivos" em detrimento da liberdade individual. A dos outros. O meu amigo não é um bronco sexista da província, ideal-tipicamente falando é claro. É um licenciado, jovem, social-democrata, viajado, bebe copos, tem namoradas e usa contraceptivos: "Então e se engravidares uma gaja e apesar de tu não quereres ela quiser ter o filho, também não podes escolher, pois não?"




dediquemos então o domingo de futebol à Roménia






De novo os Estados Unidos contra a Inglaterra. De novo o cinema. O caso agora é o de Woody Allen, mas poderíamos pensar noutros exemplos, como no cinema de Ford, uma espécie de utopia sobre o projecto americano feita contra as convenções inglesas nomeadamente o seu rígido sistema de classes. Ford tinha origem irlandesa, era solidário com a emigração miserável que procurou os Estados Unidos, e tudo o que a Inglaterra representava o irritava. Nos filmes isso quase nunca é dito directamente, mas está por todo o lado. Mas voltemos a Allen e ao seu novo Scoop. Woody Allen deixou Nova Iorque e filmou duas vezes em Londres. Filmar em Londres não implicou apenas uma opção estética, uma luz mais sombria numa cidade sombria, nem o lançamento definitivo da nova mega estrela Scarlett, nem duas histórias sobre crimes, nem a recorrência dos temas fetiche do realizador, especialmente o da morte. Estes dois filmes em Londres falam da história da relação entre os Estados Unidos e a Inglaterra. Scarlett, a jovem americana desempoeirada, com pouco verniz mas cheia de vida, mergulha nas classes altas britânicas, aquelas com propriedade há mais de 400 anos, altura em que nos Estados Unidos quase só havia índios, aquelas cujo sotaque distingue à distância e o estilo de vida marca definitivamente. Já não é a primeira vez que Allen jogou com a questão do gosto, com o gosto de classe e os seus desencontros. Mas estando a filmar a Inglaterra, o significado é mais sensível. O cinema inglês, dominado ou por comédias românticas situadas num ambiente de classe média, cujo maior símbolo é o relativamente inefável Hugh Grant, ou por uma já longa tradição neo-realista que olha nas últimas décadas a vida da working-class desfeita pela senhora Thatcher, raramente trata as suas classes altas. Allen, americano, parecendo pouco importar-se com o resto da vida inglesa, que ainda assim é bastante complexo, ataca directamente as famílias de Kensington, grandes proprietários rurais, gente absurdamente rica e podre de tanta tradição. Allen não os retrata como maus capitalistas, pessoas pérfidas e vingativas; apenas os mostra como seres ridículos, falsamente cultos e, crime absoluto para um americano, gente sem mérito algum; sem graça, gente que, estando viva, está morta, como os gentlemen do clube filmado por Wells. Claro que o centro do poder em Inglaterra, já não se confunde totalmente com estas classes. Algumas das velhas famílias converteram-se com mestria ao novo capitalismo, processo de transição sereno no qual a Inglaterra sempre deu cartas. Nada de jacobinismos burgueses. A força do dinheiro destas velhas famílias, é, no entanto, a mesma das inúmeras novas fortunas inglesas e claro, é e a mesma que governa a América de Allen. O contra-projecto americano, que ainda assim se sente neste filme, apenas sobrevive à superfície, a nível do gosto, da interacção. Tudo o resto, se alguma vez existiu, falhou. O filme,claro, vale a pena.


O que estas putas querem é foder


Nem se diga que esse bem jurídico existe e que seria o direito ao desenvolvimento da personalidade ou o respeito pelo projecto de vida, pois:
a) O direito ao desenvolvimento da personalidade (consagrado no art. 26.º da Constituição em 1997) encerra tanto uma ideia de autonomia como uma ideia de responsabilidade pessoal;
b) Não se vê como possa propor-se uma tarefa de concordância prática entre o direito ao desenvolvimento da personalidade, ligado a um projecto de vida, quando esse projecto leva ao sacrifício de outra vida;
c) Um projecto de vida e uma escolha têm de ser anteriores à concepção e às relações que a provocam, não um projecto e uma escolha subsequente ao facto consumado; e projecto de vida envolve responsabilidade na condução da vida sexual.
Jorge Miranda, Público, 20-01-2007 (sublinhados nossos)



Depois de Luciano Amaral ter feito a equivalência entre os crimes cometidos pelo salazarismo e os potenciais crimes que as suas vítimas poderiam ter vindo a cometer no futuro, hoje é a vez do venerável Jorge Miranda, em mais um exercicío de má-fé intelectual vir por linhas tortas evocar a Constituição, a Carta Universal dos Direitos do Homem e o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos [por proibir a execução das milheres grávidas (mas executá-las se não estiverem grávidas é na boa)] na defesa da causa da penalização do aborto. Fá-lo recorrendo "ao carácter insubstituível de todo o ser humano, antes e depois do nascimento", figura que não deve ser fácil de encontrar nos referidos documentos. Mais ainda compara o caso com outro flagelo social: o da prostituição. Esta foi a linha argumentativa utilizada por alguns dos fazedores de opinião da imprensa de referência portuguesa aquando do referendo de 1998. O aborto, a prostituição, a droga, etc, são flagelos com os quais não podemos compactuar. Representam uma cultura de morte típica dos relativismos pós-modernos, que tudo aceitam. Para estes comentadores tratam-se de flagelos a combater sem quartel. Não deixa, porém, de ser significativo serem os opositores a esta "cultura de morte" os maiores defensores da pena de morte e das "invasões civilizadas" a que temos assistido nos últimos anos. Finalmente alguém devia explicar a estes bacanos que as putas não morrem por foderem. Morrem chacinadas por xulos e pela Sida, passada por seres másculos que encaram o preservativo como um entrave à sua plena realização como homens, e que um enquadramento jurídico decente poderia ajudar a salvar inúmeras vidas. Alguém também lhes devia explicar que se forem a analisar os dados, os carochos não morrem por causa da droga. Morrem por causa do gesso que os traficantes lá metem, para fazerem render o peixe, e que basicamante tem o efeito de entupir as artérias. A boa droga não mata. Pode moer, mas não mata. Também lhes podiam explicar que não é por criminalizem a prostituição o consumo de drogas ou o aborto que eles deixam de existir... Mas o problema é que travar um diálogo decente com este pessoal não é lá muito fácil.





As secções de classificados dos jornais são uma excelente forma para aferir do estado da economia e do parelho produtivo aqui do burgo. Putas, operadores de call-center (e como estamos num país moderno, podem ser in-bound ou out-bound), empregados de mesa e comerciais nas suas diversas formas são o que existe. Mais revelador ainda dos processos mentais do empregador nacional é o modo como a função é apresentada. Experimentem ligar para os anúncios do CM ou do DN e poderão constatar em primeira mão que ninguém vos diz para que empresa é que vão trabalhar, nem exactamente o que é que vão fazer, nem qual o tipo de serviços que a empresa presta. Um exemplo retirado da vida real:
"Somos uma empresa de prestação de serviços e estamos a recrutar comerciais e administrativos... "
-E que tipo de serviços é que prestam?
-Prestamos serviços a empresas....
- E quais é que são as funções administrativas para as quais têm vagas?
- Isso só podemos dizer no momento da entrevista
-Desculpe, é que eu não quero ir para a entrevista às cegas, podia-me então só especificar que tipo de serviços é que prestam às empresas?
- Prestamos serviços a empresas numa variedade de sectores de negócio
- Não pode especificar um pouco mais?
- Só no momento da entrevista.
Obviamente que também temos os classificados do Expresso, mas aí e apesar de uma linguagem um pouco mais sofisticada e anúncios um pouco menos lacónicos as coisas não se transformam de sobremodo. Tirando o farmacêutico e o engenheiro civil ou químico ocasional, o que temos é comerciais, gestores de produto e gestores de recursos humanos (talvez uma e a mesma coisa, quem sabe) "com um ou dois anos de experiência na função, menos de 35 anos e ordenado compatível com a experiência". Sendo que é sempre necessária uma grande motivação e um grande sentido comercial. E depois temos os webdesigners, que devem ser o único grupo profissional com saída em Portugal, mas em regime freelance, como é evidente. A grande diferença dos classificados do Expresso para os do CM é que aqueles rtraduzem o posto de trabalho para inglês, o que rende mais estilo e dá um ar mais imponente à coisa.



A propósito da luz e da inviabilidade do país. Está a construir-se na Amadora o maior centro comercial do rectângulo, da Península Ibérica, da Europa e do Mundo. É por isso que somos bons. Faz sentido. Em Portugal, chove todo o ano e está sempre um frio do caraças, o que explica que se construam grandes centros comerciais para as pessoas, que não podem usufruir da rua, se refugiarem. Como o dinheiro não nasce nas árvores alguém fica a perder com o aparecimento de mais 300 lojas. Basta um conhecimento atótózado de teoria marxista para perceber que quem se lixa é o mexilhão, isto é, o pequeno comerciante. Para que é que serve o pequeno comerciante? Para muito pouco, é normalmente conservador nos costumes e na política, desconfiado, pouco ousado,representante por excelência de uma mediocridade social, enfim, alguém que o próprio Marx queria enviar a 100 à hora para o proletariado, para ver se ganhavam um pouco de consciência de classe. Posto isto, é preciso reconhecer que o pequeno comerciante tem outras funções. O comércio é um poderoso instrumento civilizacional, nomeadamente porque, sem mais delongas introdutórias, junta pessoas. Ora, as pessoas que o grande centro comercial junta, são as que desaparecem das ruas. O pequeno comércio é fundamental para a política da vida quotidiana das cidades, para a vida da comunidade e dos bairros. Apesar de tudo, não é mau conhecer o sr. Joaquim do Talho e dona Mariazinha da padaria. A coisa é paroquial, mas sempre é mais criativo do que conhecer o empregado 37 da secção masculina da Zara que vai ser despedido dai a um mês para continuar a sua vida de proletário moderno no telemarketing de um tubarão económico qualquer. Haveria que reinventar o pequeno comércio. Claro que a coisa não pode ser deixada à mão livre do mercado. Pois.



Nota para o arquivo: dia que torna irrefutável a descrição da capital como a cidade branca. Poderosa luz de inverno. Agora só faltava este país fazer algum sentido. Contentemo-nos com a luz.


O fabuloso mundo de João Carlos Espada


Os Estados Unidos foram, em parte, feitos contra a Inglaterra, contras as suas convenções e hierarquias. Claro que tudo isso, como projecto, falhou. Nos EUA, a terra das oportunidades, a mobilidade social está estagnada e já passaram anos suficientes para as elites envelhecerem e conseguirem passar a propriedade incólome por várias gerações. Seja como for, não é mentira que os Estados Unidos se fizeram contra a Inglaterra. Orson Wells, já perto do fim da vida, e sem dinheiro para longas metragens, fez uma série de documentários para a televisão. Um dos deles sobre a "swinging London." Segue um momento desse documentário, legendado para a nossa vasta audiência em Frankfurt, Colónia, Baden-Baden e em várias vilórias do mundo rural austríaco, sobre os clubes ingleses, esse último reduto do gentlemen britânico. Podemos chamar-lhe o fabuloso mundo de João Carlos Espada.


Cooperação estratégica


A viagem de Cavaco à Índia não ficou apenas marcada por algumas tiradas algo racistas do género " a comida indiana é toda picante" ou " caril não é bem a minha cena". Nem sequer por um economicismo algo saloio, de quem junta 60 gajos para ir arranjar cartões de empresários locais e nem por uma vez fala de política durante a viagem inteira. Aníbal também disse, embora na semana passada as declaraçõs não tenham merecido grande destque, qualquer coisa sobre como era mais fácil e transparente negociar com democracias como a Índia do que ditaduras como a China. Declarações intercaladas com outras sobre como actuamente a política externa portuguesa fala a uma só voz. Isto uns tempos antes da visita de Sócrates à China, e com as consequências que agora se conhecem. Jintao desmarcou-se e a coisa vai ser nivelada por baixo, aparentemente. Mas mais curioso do que estas marcações e desmarcações da pequena política nacional é a relação que a imprensa de referência estebalece com elas. O Púbico diz que uma reunião com Jintao nunca esteve na agenda e dá um ar normal à coisa. O DN, subrepticiamente, convoca as declarações de Cavaco sobre a China para de algum modo justificar as dificulades que rodeiam a organização da visita.



Se perguntarem a Luciano Amaral e aos da sua equipa porque é que ou como é que Hitler subiu ao poder a resposta será uma só. A culpa é dos comunas. Foi o medo da Revolução e da extensão da União Soviética que motivou as bases de apoio do Adolfo. Se os comunas estivessem quietos o genocídio não tinha acontecido. Aquilo é tudo boa gente e só queriam defender o que era deles. Estamos no terreno do direito natural. Uma visão reificada do mundo que cristaliza em torno de dois ideias básicas, que são tidas como universais e ahistóricas: o indíviduo e a propriedade. Tudo o que viole esta lei, está mesmo a pedi-las. Vejam a defesa de Pinochet.
Uma dúvida porém nos assalta. Será que tudo isto deriva do facto de Amaral querer ser convidado para a defesa de Salazar n' Os Grandes Portugueses?



Depois de Geoge W. Bush são os pequenos arbustinhos que vegetam neste jardim à beira-mar plantado que, com, como se diz aqui no bairro, uma cara podre inacreditável, aplicam a lógica do ataque preventivo a tudo o que mexe. Rui Ramos, na sua habitual coluna no Público, diz que Saddam não tinha mas podia ter arranjado umas armas de destrição maciça e que isso seria a puta do apocalipse. Muito diferente do que de facto está a contecer, não haja dúvida. Vive-se no Iraque um ambiente de paz, liberdade e justiça e já cheira a democracia por tudo quanto é sítio. Hoje é a vez de Luciano Amaral, no DN, dizer que a diabolição do salazarismo se faz à conta do esquecimento dos crimes que as vítimas do salazarismo estariam eventualmente dispostas a cometer ou poderiam ter cometido caso tivessem assumido o poder. Uma alegria do caralho, e de uma honestidade intelectual admirável.
Fica a citação para não dizerem que sou paranóico.

Parece que a moda da utilização da História para ajustes de contas políticos está para ficar. Em Espanha, vários partidos propõem uma Lei da Memória Histórica que "reabilite" as vítimas do franquismo. Em Portugal, uma associação cívica propõe a "reparação" das vítimas do salazarismo. Na Polónia, um bispo vê-se obrigado a recusar o arcebispado de Varsóvia depois de descoberta a sua "colaboração" com a polícia secreta comunista. O interessante aqui é o unilateralismo moral. Como se fosse possível a condenação de regimes pretéritos por decreto, esquecendo tantas outras coisas. Esquecendo, por exemplo, que muitas vítimas do franquismo foram elas próprias autoras de crimes horrendos; ou que tantas vítimas do salazarismo estariam prontas, uma vez tomado o poder, a fazer o mesmo ou pior do que o regime que as reprimia


Passivo


Há uns meses, numa tumultuosa Assembleia Geral no Estádio de Alvalade, para aprovar o orçamento, o passivo era de 240 milhões (não me dei ao trabalho mas há uma capa do record com o número) mas a situação do clube estava mais que controlada. No espectáculo, ou melhor, na farsa do Pavilhão Atllântico já não sei se eram 240 ou 270 mas a situação era calamitosa. De qualquer forma hoje, e depois de ter entrado um cheque de 50,2 milhões somos informados por um jornal que o passivo é de 230 milhões. Como diria Guterres, é fazer as contas...


Pressão imobiliária II


P No domínio da gestão do património imobiliário, o próximo passo será vender o Estádio José Alvalade?
R Nunca disse que ia vender o estádio.
P Mas admite fazê-lo?

R Não, o que quero é consolidar o património do Sporting na sociedade que o pode pagar. Ou seja, o clube é o total detentor da propriedade da Academia, que só é útil à SAD. Assim sendo, faria muito mais sentido ela pertencer a esta empresa – tal como o estádio – do que pertencer ao clube. Até por uma questão de fluxos financeiros, porque a SAD, sendo o utilizador, é obrigada a pagar ao clube. Isto tem também a ver com a questão fiscal, se o Sporting é passivo ou activo em termos de fiscalidade. Faria muito mais sentido tudo estar integrado num único utilizador, mas esta é uma questão sobre a qual o Conselho Directivo terá de se pronunciar.




Fica registado.
Sendo que como profeta zandingueiro não dou mais de dois anos até que o estádio seja vendido. A argumentação por vir? O Estádio é um complexo multifuncional que o clube não está preparado para gerir, além do mais a manutenção do recinto, e as mudanças anuais do relavado custam muito mais do que o que vamos pagar pelos direitos de uso do recinto.
Parte II - Com a venda de uns 20% do capital da SAD o Sporting vai ficar com apenas 51% das acções. Como os treze milhões de lucro ainda vão demorar mais uns anos a chegar, vamos ter que fazer um aumento de capital, ficando o Sporting numa posição minoritária na SAD. Lá se vai o poder dos sócios, o pouco que resta, para definir democraticamente o futuro do clube. Na Assembleia Geral do Pavilhão Atlântico disseram-nos que a culpa da falência do Projecto anterior foi do Bin Laden e do 11 de Setembro. Vamos lá ver de quem é que vai ser a culpa daqui a dois anos...


pressão imobiliária


Tenho a triste sensação de que as mesas de snooker e de bilhar estão a desaparecer das grandes cidades. O comerciante, nestes tempos de liberalização avançada, já percebeu que rende mais encher o espaço com mesas e servir uns almoços rápidos. A coisa deve resistir no campo, onde o espaço não sobra mas faltam as pessoas. Nas cidade, os anexos dos cafés, ou mesmo os salões especializados, estão a ser comidos pela pressão imobiliária. E assim vai desaparecendo o desporto dos que não gostam de fazer desporto, dos poucos que se pode acompanhar com um cigarro e uma cerveja.




Na escolha do grande português vamos ter uma batalha dos séculos. Descobertas com quatro nomeações contra as quatro nomeações do século XX. A mediar estão o fundador e o centralizador. No cômputo geral a votação não é surpreendente nem perfeitamente idiota, embora se sinta a falta de Ana Cristina Oliveira entre pelo menos os 100 nomeados (substituía bem a Santa Isabel). De resto apenas uma nota positiva para a inclusão de Salazar no Top Ten, quando se dizia por aí à boca pequena que a RTP se preparava para falsear os resultados e colocar o ditador em 11º para não ter que se fazer um programa sobre o dito. Vai ser divertido ouvir os defensores do António. Cheira-me de qualquer modo que vamos ter guerra de claques. Os faxos a votarem em gang no ditador e os comunas a votarem em massa em Cunhal.


O que foi feito de Alegre?


O Movimento de Intervenção e Cidadania já conseguiu definir de que lado é que se encontra na questão da IVG?




Respect




Apesar de não ter corrido como se esperava, não marcou 20 golos na primeira volta, Jardel merece o nosso amor, carinho, respeito, amizade e devoção. A situação não deixa de ser sintomática. Sai o goleador para entrar um grupo de investimento anónimo que vai utilizar o Beira-Mar como barriga de aluguer.


bailar é tudo uma outra coisa






O capital fode a pátria e o trabalho. A pátria é fodida pelo capital e fode o trabalho. O trabalho é fodido pela pátria e pelo capital.



O capital não tem pátria. O trabalho tem.



Nas aulas de economia ensinam-nos que são três os factores de produção: solo, capital e trabalho. Destes três apenas o solo não é um factor móvel e reproduzível. Não deixa de ser interessante observar como são os mais ferverosos liberais os maiores opositores à mobilidade do factor trabalho, o que poderia proporcionar um equilíbrio entre a oferta e a procura da mercadoria trabalho, levando a preços mais justos e a uma maior eficácia produtiva. São também os maiores apologistas das virtudes da circulação do capital. Também são eles que se encontram contra a despenalização da interrupção voluntária da gravidez.






No quarto 307









Sexo deixou de ser a expressão mais pesquisada pelos internautas portugueses. O primeiro lugar é agora ocupado pelo gmail. Mas nem tudo está perdido. Esta desqualificação do sexo terá na sua raiz o aumento de utilizadoras da internet. Uma análise por género mostra que as três expressões que os homens mais procuram são sexo (em primeiro lugar), emule (certamente para sacar videos de cariz pornográfico) e gmail (para comunicar com pessoas com quem possam ter sexo). Ao passo que no caso das mulheres dominam as expressões gmail, jogos e fnac.


Ziguezagues


Apesar de mexer com temas diferentes, o tema do aborto cruza em muitas áreas com as questões ligadas ao consumo de drogas, ou de modo mais amplo, com o tema da liberdade e autodeterminação individuais. É principalmente nas posições conservadores em relação à descriminalização do aborto que uma série de contradições são evidentes. As mesmas pessoas que são eleitores e consumidores racionais deixam de ser pessoas racionais no momento em que terão que decidir fazer ou não um aborto ou dar ou não no cavalo. Isto é, eu posso escolher um Governo ou votar no referendo, mas se legalizassem a heroína, por exemplo, eu ia-me obrigatoriamente tornar um carocho. A extensão natural da ideia é que que descriminalizando o aborto vai tudo desatar a abortar e é o fim da civiluização tal qual a conhecemos. É evidente que a direita e as facções sociais mais conservadoras vão paulatinamente resolvendo estas contradições. A menorização do eleitor e uma ética de incumprimento das promessas eleitorais é visível em muitas colunas de opinião, quando respeitáveis comentadores e dirigentes partidários nos dizem, letras nos olhos, que para Governar bem é preciso ir contra a vontade dos Governados, ideia que conhece a sua máxima expressão no adágio elitista de que as eleições se ganham prometendo à esquerda e governando à direita.





A manchete do jornal Público do dia de hoje é relativamente bizarra. O jornal publicou uma sondagem, por si encomendada, a propósito do referendo ao aborto. A sondagem diz que, contados os votos válidos, 67% das pessoas inquiridas iria votar sim e 33% votaria não. Perante este resultado, o Público escolheu destacar na sua primeira página outro dado da sua sondagem: que a grande maioria dos defensores do sim iria mesmo votar. É como se, por exemplo numa segunda volta de umas eleições presidenciais, o jornal preferisse destacar que os defensores do candidato com mais votos iam mesmo votar. A tradução da manchete parece ser: vá lá pessoal, estes gajos vão mesmo votar e nós temos que nos mexer antes que isto corra mal.


Sociologia do cadáver


Os soldados americanos mortos no Iraque são uma representação quase fiel da proporção das etnias no país. O soldado americano morto tipo é branco e provém maioritariamente dos estados do Texas e da Califórnia. A informação, reproduzida pelos jornais, é interessante, em especial porque o contingente de mortes de soldados negros costuma ser maior, o que pede uma análise sobre a lógica do mercado de recrutamento. O que a análise não diz é que os mortos devem ser quase todos poucos escolarizados, desempregados, filhos de operários, de trabalhadores não qualificados e de desempregados, que olham para o exército como uma escapatória. Já ouviram falar em classes? Claro que no meio disto haverá o grupo dos maníacos patriotas, normalmente vindos de classes médias e médias baixas e que morrem com prazer pela ordem americana.


Quarto 307




Antes



Depois



Os argumentos da esquerda para defender o estado social, isto é, o direito à habitação, os sistemas universais de saúde e educação ou a segurança social, incluindo aqui o subsidío de desemprego, vão sempre falhar em falar aos não convertidos porque são essencialmente baseados nas mesmas estruturas ideológicas que a direita utiliza para atacar esses mesmos direitos. Estas estão sediadas numa única premissa: a meritocracia, e o seu amigo intímo, o individualismo; "se eu trabalhei para ter uma casa porque é que a hão-de dar de borla a alguém que vive numa barraca". É evidente que na maior parte dos casos esta ideologia do mérito vem associada a um conjunto de preconceitos com os quais é mais dificíl dialogar, mas cuja depuração, paradoxalmente, pode permitir chegar a camadas sociais que habitualmente não são sensíveis aos argumentos da esquerda. E não são sensíveis porque os argumento da esquerda partem demasiadas vezes de posições morais e categorias psicológicas. A oposição entre o egoísmo da direita e o altruísmo da esquerda será o exemplo clássico. Se, em vez de insistir em chavões como a solidariedade e o altruísmo, a esquerda se desse ao trabalho de traduzir para uma linguagem acessível aos não especialistas e não convertidos os argumentos de autores relativamente insuspeitos como Braudel e Wallerstein, que vêm no capitalismo um sistema de produção de desigualdades, o proprio terreno onde estas lutas se desonvolvem deixaria de estar tão inclinado. Não é difícil fazer ver empiricamente a um tipo de classe média com um curso superior e que vota no PSD e perfilha de uma ideologia social-democrata a inevitabilidade das desigualdades e o modo como funciona a reprodução social. Trata-se simplesmente de deslocar as discussões do campo da vontade subjectiva e dos sentimentos morais para a esfera das condições históricas e económicas das sociedades contemporâneas. Porque é que alguém vai para a uma barraca? Como é que ganha a vida? (Porque é que vende droga? Toda a gente que vive nas barracas vende droga?) Quanto é que custa alugar uma casa? Com dois ordenados minímos que banco é que lhe vai conceder um empréstimo? Como é que o tipo que quer o empréstimo, mas que só tem amigos que vivem em barracas e trabalham nas obras vai arranjar um fiador? Quanto é que valem os terrenos de onde a Câmara o vai desalojar? Não seria possível, e desejável, destinar uma parte desse valor à construção de habitação social? Se não, é legitímo expulsar a família e deixá-la na rua? Isso não vai aumentar as taxas de criminalidade? Não vais à mesma gastar dinheiro, só que em prisões e com bófias?


mais uma peça para o museu







Lisboetas


Num restaurante a 50 metros do largo Camões, numa altura em que o Chiado já há algum tempo voltou a ser o centro de Lisboa, um casal idoso, bem composto, termina o seu almoço. Pedem ao empregado, a quem tratam pelo nome, dois cafés e uma arguardente bem servida que acabam por misturar no café. Entretanto, chegam ao restaurante várias pessoas que cumprimentam familiarmente o casal. Aqueles dois velhos eram da zona, clientes habituais do restaurante. O café reforçado deu origem a longa conversa entre os dois. De que falavam os dois lisboetas, habitantes do centro da capital? Das origens, da terra, das várias denominações do milho paínço, da forma variada dos arados, da mistela que a vaca comia para dar mais leite e da estratégia mais eficaz para matar um cabrito. Como eram de aldeias diferentes, os assuntos eram tratados de modo ligeiramente distinto, o que prova não ser o mundo rural tão monótono como isso. A modernidade portuguesa passava por ali. Já não é rural mas está longe de ser urbano, cidade de aldeias, atravessada, aqui e ali, pela revolução francesa e o iluminismo.





Cavaco, depois de Vasco da Gama e Soares, vai à Índia. A Índia ocupa um lugar mítico na história portuguesa, e na grande narrativa da nacionalidade, e Portugal pensa que também deve ocupar um lugar importante na história da Índia. A minha avó, que vivia em Jamjhodpur, achava que Portugal era em África. Uma vez fui passar férias ao Adão, ao pé da Guarda; a terra de um amigo.Na altura era vegetariano. Não por qualquer imposição ou crença religiosa, mas porque tava armado em boa pessoa e queria defender os direitos dos animais e merdas desse género. A madrinha do meu amigo, estupefacta com o facto de não comer carne, perguntou-me o que é que nós lá na China comiamos.



Pessoal tripeiro teoricamente inteligente e culto, depois de aceitar de forma mais ou menos cavalheiresca a derrota do Porto, que apenas aqui surge a título exemplificativo, na medida em que podemos estar a falar de adeptos de qualquer clube, sacou das navalhas e começou a criticar Jesualdo por apenas ter jogado apenas com quatro habituais titulares. Peseiro foi alvo de recriminações similares no jogo do Estádio da Luz. Jogar com o Douala e o Sá Pinto na frente foi uma atitude cobarde, dizem eles. O Pinilla devia ter sido titular. O mesmo que foi não apenas insultado, mas gozado a época toda; tendo feito dois ou três bons jogos. A táctica era defensiva dizem eles, apesar de o esquema de jogo ter sido o mesmo que foi utilizado com bastante sucesso nos jogos fora na Taça UEFA, em particular com o Midlesborough e o Feyenord. Este pessoal também se esquece que nesse jogo, o da Luz, foi o primeiro treinador a fazer uma substituição, quando não precisava de fazer nada para ser campeão, e tirar, salvo erro, o Tello para meter o Pinilla, numa transformação de pendor claramente ofensivo. Repito, à semelhança do que tinha acontecido nos jogos europeus.
Qual o adepto do Porto que antes do jogo com o Atlético achava que o Jesualdo devia jogar com a equipa habitual por inteiro? Parece que para alguns adeptos nem os prognósticos no fim do jogo são assim tão fáceis.



O positivismo é um jogo de dados viciado com tiragens aleatórias sistemáticas









A vitória do Atlético ontem nas Antas ofereceu-nos imagens supinamente românticas. Para lá de a maioria dos comentadores se terem abstido de crucificar o Porto e fazer qualquer menção ao penalti inventado pelo árbitro no último minuto dos descontos a favor da equipa da casa, a nota mais salinete para mim foram os festejos da equipa do Atlético.
Num futebol higienizado, pasteurizado e mercantilizado até à última potência ontem deu-me gozo ver as habituais reportagens pornográficas que acompanham na televisão os grandes acontecimentos. Directamente de um restaurante qualquer na Bairrada, mais do que se portarem como jogadores profissionais, com seriedade e rostos fechados, os heróis do dia portavam-se como o imbecil adepto que todos somos. Cantavam como uma claque "Ninguém para o Atlético!", colaram-se às câmaras de televisão enquanto telefonavam aos amigos a dizerem que estavam na televisão e comiam um simpático leitão acompanhado por umas jolas, tudo sacado ao presidente do clube.



A propósito dos media e do naufrágio interessa relembrar que, no dia a seguir ao desastre da Nazaré, a RTP dedicou uns bons minutos ao glorioso salvamento dos ocupantes de um barco à deriva ao largo dos Açores. A reportagem mostrava os náufragos a subirem cinematograficamente para os helicópteros Merlin, meio aéreo elogiado com inúmeros adjectivos gordurosos. A notícia até pode ser relevante, mas por que razão este salvamento, neste momento, e não outros que imagino ocorram com frequência, teve direito a câmaras de televisão.
O alinhamento do noticiário da estação pública começou hoje com a aprovação da lei das finanças locais em reportagem a celebrar mais uma conquista da dupla dinâmica que segue ao leme do país, passou para a vitória do Atlético no Dragão, ainda assim em tom comedido - a TVI entrevistou a filha do treinador do Atlético e perguntou-lhe: "Como é ter um pai assim?" - e seguiu para uma inusitada e absolutamente descontextualizada reportagem sobre as declarações do bispo da Guarda a propósito do aborto, que antecedeu o aniversário do Martinho da Arcada com a participação do herói Cavaco, a sua esposa poeta e outros artistas, seguindo para a crise na Guiné Bissau e por ai adiante. Se eu não achasse que a coisa foi bastante pensada diria que eles sorteiam a ordem das notícias. Seja como for, interessa confirmar, antes do referendo que se aproxima, a deriva católica que a RTP já há alguns tempos vem revelando.


Navegação à vista


Bush dizia aqui há uns dias, que os E.U.A. estavam a fazer todos os possíveis para arranjar um plano para resolver a situação no Iraque.



O destaque do Diário de Notícias de hoje vai para o facto de em 2006 91% dos alarmes recebidos pela Marinha terem sido falsos. À semelhança do que o jornal nos vem habituando, tal como a RTP aliás, assistimos mais uma vez a uma tentativa de limpar a imagem do Governo e das autoridades num exercício habitualmente apelidado de Spin nos países anglo-saxónicos. A ideia é simples: alterar as premissas do debate. A questão já não é saber porque é que só quase duas horas depois do pedido de resgate é que as autoridades se começaram a mexer, mas antes como é que apesar de tudo conseguiram lá chegar, tento em conta as quantidades horripilantes de falsos pedidos de ajuda que chegam à Marinha. É certo que os media estão demasiadas vezes para o jogo político como os árbitros estão para o futebol. São considerados culpados de tudo, e o bode expiatório universal. Porém, a questão não é serem culpados ou não, mas o modo como contribuem ou ou deixam de contrinuir para levantar as questões certas no debate público. E tal como se observou em relação ao caso dos autocarros no Porto, também aqui a sua actuação, pelo menos a do DN, deixa muito a desejar.



Talvez não fosse má ideia que o movimento pelo Sim ao aborto deixasse de ir atrás da agenda dos que defendem o Não. O nível de debate neste momento está em saber se um vivo custa mais do que um morto. Alguns apoiantes do SIM estão a tentar provar que os vivos, especialmente aqueles que têm tudo para ter uma vida infeliz, custam mais ou estado. Já ouviram falar da Eugenia. Daqui a pouco estão a tornar o aborto obrigatório para quem tenha menos x de IRS, e até aos 18 anos de vida. Não sei porquê mas isto já esteve mais longe de correr mal outra vez.



A reacção comentarista à recente mensagem de ano novo do Presidente da República demonstra a lamentável pobreza do debate público em Portugal. O tempo que parte dos mais importantes comentadores políticos e outros articulistas gastou a tentar decifrar com exactidão todos os pretensos múltiplos significados contidos em todas as pequenas palavras de Cavaco dava para montar uma sequela do Código Da Vinci.


Afinidades


Na cidade do Porto, a mudança de um conjunto de carreiras de autocarro resultou mal. As pessoas afectadas, quase todas de bairros periféricos, vieram para a rua e pararam o trânsito, impedindo vários autocarros de prosseguir caminho. O movimento juntou várias centenas de cidadãos. Um deles dizia a uma televisão que estas mudanças prejudicavam apenas as pessoas de bairros mais pobres, pessoas para quem o percurso habitual para o trabalho era agora três vezes mais demorado implicando uma constante permuta de transporte. O modo como os media olharam para o assunto foi relativamente marginal. Já quanto aos comentadores e articulistas, a coisa parece ter-lhes passado ao lado. As páginas locais de alguns jornais falaram do caso, mas o mesmo foi remetido para a gaveta das especialidades regionais. Na mesma cidade, algum tempo atrás, a ocupação do teatro Rivoli por um grupo de cidadãos, em protesto contra a sua venda ocupou, durante algum tempo, várias manchetes, proporcionando prosa vasta aos comentadores e a outras personagens com fácil acesso mediático. A diferença de tratamento destes dois casos é assinalável. Não se discute a sua relevância, nem a justeza dos protestos, mas apenas o modo como um dos casos passou a fazer parte da actualidade geral, benesse concedida pela atenção dos comentadores situados nos vários media, e o segundo mereceu pouco mais do que um "constatar do facto", situação constantemente repetida quando as afinidades sociais entre protestantes e comentadores que pautam o ritmo da "actualidade" são menores.


Um partido diferente


João Teixeira Lopes, numa afirmação claramente pouco aparelhística e eleitoralista e quicá até mesmo nojenta, veio a público manifestar os seus receios pelo convite dirigido a Rui Rio para integrar o Movimento pelo Sim.



Já aqui temos abordado o tema da retórica política. Com o stress que são os nossos dias, sempre a correr de um lado para o outro, àsvezes damos por nós a deixar passar notícias altamente reveladoras do estado do mundo em que vivemos.
Alertado por mão amiga, não me esqueço de referir uma notícia do público de ontem sobre petições populares que foram entregues na Assembleia da Répública. A notícia centra a sua atenção numa petição em particular. Aquela subscrita por 7058 cidadãos contra o encerramento de uma Escola Secundária. O caso foi ontem a debate, alguns meses depois de a escola em causa ter sido fechada.
Portanto já sabem, da próxima vez que ouvirem algum político a falar na partidocracia e no défice de participação dos cidadãos e das suas próprias aldrabices e no modo como utiliza os recursos públicos para os seus fins privados como causa das elevadas taxas de abstenção e descrédito da política, dos partidos e dos políticos é sacar da navalha, meus amigos, é sacar da navalha.
Como disse um dos subscritores da dita: "Não há eleições nenhumas em que os partidos políticos não façam um apelo ao voto e à participação dos cidadãos na vida política. E não há programa de governo que não transporte essa mesma ideia, mas sempre que assumem o poder, a cidadania passa a figura de estilo"


Aposto...


... o que quiserem que os médicos que agora se revoltam contra o controle electrónico de assiduidade, vulgo picar o ponto, são os mesmos que estão contra a despenalização do aborto. É demasiado pequeno o passo entre evocar a leviandade das putas que só querem levar com ele e depois não querem arcar com as consequências e dizer que para picar o ponto à saída vão ter de interromper cirurgias.



A terminologia utilizada pelos jornais desportivos e pelos dirigentes futebolísticos cá do sítio é uma excelente instrumento para medir o provincianismo que ainda caracteriza o pensar de alguns dos grupos mais pretensamente sofisticados que o rectângulo tem a capacidade de gerar. No meio dos seus lugares comuns e arrebatamentos moralistas e tradicionalistas Filipe Vieira diz que Nuno Assis "É e continuará a ser um activo fundamental do nosso grupo de trabalho". A palavra chave é activo. Este fenónemo foi porém mais visível, e terá tido a sua génese, aquando da constituição das SAD, Sociedades Anónimas Desportivas, para os leigos. Desde essa altura que os clubes passaram a ser designadas por xpto SAD. Acho que até houve um jogo entre o Sporting SAD e o Benfica SAD, transmitido pela SIC, SAD. A SAD do Azinheiras de Baixo anunciou não sei o quê e a do Baldas de Cima vai fazer outra coisa qualquer. Vale a pena explicar aos mais incautos que apesar de o Manchester United ou o Bayern de Munique e muitos outros clubes europeus serem geridos de forma empresarial, os jornais nunca se lhes referem como SAD ou qualquer equivalente. Finalmente, e devido a lógicas diversas, os jogadores formados nas escolas de determinado clube passam sistematicamente a ser caracterizados como um "produto das escolas do Nossa Senhora dos Bimbos". A palavra chave a reter é produto.
Entre esta pseudo-sofisticação urbana e deslumbrada, sem se conhecer, com o economicismo mais idiota que se possa imaginar e o Toy, se repararem a polissemia do termo é deslumbrante, prefiro o Toy e o Bacalhau e o Pimba todos os dias.






Ingleses e franceses, por exemplo, distinguem entre tipos de exploração. Ele há a exploração como em exploitation e ele há a exploração enquanto exploration. Nós por cá só temos mesmo a exploração. Descoberta e repressão unidos pelo vínculo da palavra.




Duas notas: pode ser o Ré e o Fá


A alteração das regras dos impostos aplicados aos futebolistas é cega. Trata-se notoriamente de uma profissão de curta duração onde apenas muito poucos ganham balúrdios. Os artistas e os profissionais intelectuais também têm taxas especiais. A categoria de direitos de autor permite que apenas 50% dos ganhos sob a sua alçada seja taxado. Mas o futebolista é um malandro e não um artista. Depois admiram-se que proliferem como cogumelos selvagens os contratos paralelos.
A ideia de vincular os apoios estatais às universidades à sua capacidade de empregabilidade é perigosa. Percebo, em parte, a utilidade da coisa. Mas com um tecido de empresarial tão fraco e ignorante corremos o risco de importar para as universidades as lógicas do mundo das empresas, o que sendo mau, como princípio, pode ser trágico, num país como este.



    António Vicente

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